Aqui o autor - Dieter Dellinger - ex-redator da Revista de Marinha - dedica-se à História Náutica, aos Navios e Marinha e apresenta o seu livro "Um Século de Guerra no Mar"
Terça-feira, 25 de Dezembro de 2007
Dieter Dellinger: A Nau "Flor de La Mar"

 

Nau “Flor de La Mar” – Pintura a óleo de Alberto Cutileiro

 

 

            Um notável exemplo de longevidade de uma nau do primeiro quartel do Século XVI foi dado pelos nove anos de aventuras e trabalhos da célebre “Flor de La Mar”, afundada nas costas de Sumatra com os tesouros de Malaca trazidos por Afonso de Albuquerque.

            Segundo o “Livro de Toda a Fazenda”, a contabilidade pública de então, em 1505, D. Manuel I encarregou o provedor João Serrão de armar oito grandes naus, seis navetas e oito caravelas, além de outros navios, para formarem a armada do Vice-Rei D. Francisco de Almeida. A “Flor de La Mar”, capitaneada pelo alcaide menor de Lisboa João da Nova, fazia parte com a “Bom Jesus”, a “S. Gabriel”, a “S. João”, a “Espírito Santo”, a “S. Tiago”, a “Bota Fogo” e a “S. Catarina” do lote de 8 naus de 400 toneladas, cuja principal missão era estabelecer o domínio naval português no Índico. Provavelmente tratava-se da segunda viagem à Índia da nau “Flor de La Mar” com João da nova como capitão. Efectivamente, este galego de nação e fidalgo de Portugal fora o capitão-mor da terceira armada enviada por D. Manuel I à Índia. Com três naus, uma delas talvez a “Flor de La Mar”, apesar da crónica de Goês não citá-la ainda de nome, e uma caravela, João da Nova partiu a 5 de Março de 1501 para chegar a Cananor em Agosto e receber um primeiro carregamento completado depois em Cochim, onde as naus foram calafetadas, reparadas e breadas. Depois de umas escaramuças que levaram ao afundamento de três paraos de uma grande frota enviada pelo Samorim, João da Nova regressa a Lisboa, tendo entrado no Tejo a 11 de Setembro de 1502.

            Na segunda viagem do notável navegador que parece não ter o seu nome merecidamente glorificado numa rua de Lisboa, este recebeu ordens para cruzar entre o Cabo Camorim e as Ilhas Maldivas, levando também um alvará real de nomeação para capitão-mor da armada da costa da Índia. A armada de D. Francisco de Almeida com a “Flor de La Mar” largou pois a 5 de Março de 1505, dobrou o Cabo da Boa Esperança em fins de Junho sem grandes percalços.

            Nos primeiros dias de Agosto, as principais naus da armada com a “capitania” lançaram ferros frente a Mombaça. O Vice-Rei mandou o intrépido João da Nova a terra para comunicar com os habitantes. “Estes receberam-no à pedrada” – escreveu Gaspar Pereira, escrivão da armada. João da Nova dispara dois berços de metal que levava no batel, “com que logo na praia pagou o jogo das pedras”. “Olá dos navios! Ide dizer ao Vice-Rei que venha em terra, que em Mombaça não há de achar as galinhas de Quiloa, mas vinte mil homens que lhe hão de torcer o focinho …… – diziam os naturais na praia da Ilha - continuou Gaspar Correia na sua crónica da viagem.

            Na manhã seguinte, 1300 soldados da armada desembarcaram em Mombaça, distribuídos em duas colunas. Depois de uma peleja encarniçada, o xeque de Mombaça pede a paz e a armada zarpou com os presentes do potentado, agradecido por lhe pouparem a vida e não terem destruído a cidade.  

            A Cochim, a armada chega a 1 de Novembro, tomando de imediato conhecimento da existência de uma esquadra de 400 navios e 10 mil homens organizada pelo Samorim para enfrentar as forças do Vice-Rei.

            Muito chegado a terra, os navios do Samorim tiveram de se haver com as caravelas e galés de Portugal porque as naus não podiam chegar-se tanto. Numa naveta artilhada, João da Nova comete proezas sem par juntamente com os navios mais pequenos da armada. “Tudo era fogo, fumo e gritos” – escreve Gaspar Correia. As três bombardas e os seis falcões de cada uma das caravelas fizeram uma razia, opondo-se com a sua superioridade aos pelouros e flechas dos mouros.

            Em Fevereiro de 1506, a “Flor de La Mar” com a “S. Gabriel”, capitaneada por Vasco Gomes de Abreu, recebe ordens para largar de Cochim rumo a Portugal. Além do valioso carregamento de especiarias levavam um pequeno elefante.

            Gaspar Correia cita a “Flor de La Mar” ainda sob o comando de João da Nova nas duas armadas de Tristão da Cunha e Afonso de Albuquerque saídas de Lisboa para a Índia a 5 e 7 de Abril de 1506. Na verdade, deveria estar equivocado. A “Flor de La Mar” não poderia chegar a Lisboa nessa data e outros arquivos históricos dizem-nos que nunca chegou a sulcar novamente as águas do Tejo, pois na viagem de regresso a Portugal arribou à Ilha de Moçambique com água aberta e grande dificuldade para consertar a avaria. Ficou no canal entre a Ilha e a Cabaceira, a zona de abastecimento das naus com água potável. Aí é que a armada de Tristão da Cunha encontrou João da Nova com a sua “Flor de La Mar”. Sendo amigo e compadre de João da Nova, Tristão da Cunha fez tudo para salvar a”Flor de La Mar”. Comprou uma nau comercial de Lagos que vinha na sua armada para transbordar toda a mercadoria que vinha na “Flor de La Mar”, a fim de a “pôr a monte” para os consertos necessários. Assim feito, João da Nova e a sua nau foram mandados de novo para a Índia integrados na armada de Afonso de Albuquerque, mas João da Nova foi desgostoso por o Vice-Rei não ter aceite o seu alvará de capitão-mor e, agora, em vez do regresso à Pátria ia acompanhar Albuquerque em trabalhos e aventuras ainda inimagináveis. Tal como a sua nau, também João da Nova nunca mais veria as águas do Tejo.

            Apesar de insatisfeito, o alcaide menor de Lisboa mostrou-se tremendamente eficaz em todas as tarefas em que se meteu. Logo em Abril de 1507, João da Nova acompanha Afonso de Albuquerque com 300 homens no ataque à fortaleza de Socotorá, defendida por centena e meia de “fartaquins”, pondo-os todos em fuga. Reconstruiu-se a fortaleza; Portugal controlava agora a estratégica entrada para o Mar Vermelho.

            Em carta não datada, mas provavelmente de 1506, dirigida a D. Francisco de Almeida, D. Manuel I ordena o envio de navios a Malaca e nomeia João da Nova capitão-mor de uma armada de uma nau, um navio e uma caravela que ficará aí. Ao mesmo tempo, El-Rei ordenou que a “Flor de La Mar regresse a Portugal sob o comando de Francisco de Távora, enquanto João da Nova deveria ser o capitão da nau “Rei Grande”, anteriormente do Távora. Não foram cumpridas estas ordens de D. Manuel I; era demasiado cedo para ir a Malaca sem ter previamente estabelecido o domínio do Índico.

 

 

Texto de Dieter Dellinger publicado na REVISTA DE MARINHA em Abril de 1989


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A "Flor de La Mar" na Batalha de Diu

 

 

       Para Diu navegou a poderosa armada de D. Francisco de Almeida. Vendo que o inimigo estava muito perto do porto; as naus não lhe chegariam à distância de tiro. João da Nova manda arriar o batel e equipá-lo com uma peça grossa, colocando-o no través das galés do Mirocem para batê-las com o seu fogo e cortar-lhes as amarras.

 

            Logo que anoiteceu, o mestre da “Flor de La Mar” foi deitar uma “toa” na boca do rio, e quando veio a maré alou-se a ela, amarrando-a com as âncoras pela popa e pela proa de forma que a nau com a maré não virasse; as fustas, as caravelas e o batel de João da Nova foram ocupar as suas posições e tudo se fez sem serem sentidos porque os mouros passaram a noite com tangeres e gritos. No dia seguinte, 3 de Fevereiro de 1509, a batalha começou com uma primeira salva de 18 tiros da “Flor de La Mar”, cujos pelouros acertaram na nau de Malik Ayaz, a capitania dos mouros.

            Entretanto, a “Santo Espírito” de Nuno Vaz, acompanhada pela “Belém”, “Taforea Grande” e “Rio Grande”, entrou a abalroar a capitania dos rumes, mas antes um tiro da “Santo Espírito” atravessou a nau moura de lado a lado, deixando os adeptos de Maomé a nado. A luta prosseguiu com fúria, estrondos e fumo; João da Nova, ainda no batel acompanhado pelas caravelas, meteu-se ao longo da terra e com a artilharia desfazia as popas das naus mouras.

            A “Flor de La Mar” disparou mais de 600 tiros grossos. O alemão Michel Arnau era um dos mestres bombardeiros da nau e não queria ouvir falar em abalroar navios inimigos; no seu entender tudo se resolvia a tiro de bombarda.

As forças portuguesas tinham alguns estrangeiros ao seu serviço, mas no lado oposto a miscelânea de nacionalidades era muito maior ainda; mouros, indianos, etíopes, afegãos, persas, turcos e romanos do Egipto, além de venezianos e renegados europeus. Os navios portugueses eram poucos, mas muito sólidos, bem construídos e artilhados. A “Flor de La Mar” vomitava ondas de fogo das amuradas e dos castelos da proa e popa, onde disparava a artilharia menor como águias, sacres e falcões de câmara, camelos e esperas. Mas, o poder português baseava-se nas grossas bombardas das amuradas que o mouro não possuía e não sabia fabricar nem poderia trazer do Egipto ou da Turquia.

 

A armada lusa retirou-se vitoriosa para Cochim, deixando muitos navios mouros afundados e avariados com muitas vítimas, mas também os lusos não saíram incólumes.

Em Cochim, a “Circe”, novamente a meter água, e a “Flor de La Mar” e a “Belém”, avariadas em Diu, foram devidamente carenadas e reparadas.

Entretanto, com a chegada da armada do Marechal D. Fernando Coutinho de 18 navios, mandada em 1509 por D. Manuel I, o Vice-Rei entrega, enfim, o governo da Índia a Albuquerque.

O heróico João da Nova, há quatro anos capitão da “Flor de La Mar”, morre em terra tão pobre e desamparado que Albuquerque lhe pagou o enterro. Apesar das suas muitas vitórias, não se apropriou de quaisquer bens de valor do inimigo pois entregou tudo à Coroa através do Vice-Rei. O próprio D. Francisco de Almeida também não voltou a ver Lisboa; faleceu ainda nas águas do Índico na viagem de regresso.

 

Navetas

 

 

 Texto de Dieter Dellinger Publicado na REVISTA DE MARINHA em Abril de 1989



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A Conquista de Goa e de Malaca

 

 

A “Flor de La Mar” foi integrada na reconstituída armada da Índia, acrescida com grande parte da esquadra do Marechal. Com vinte naus, duas galés e um bergantim tencionava Albuquerque reconquistar Ormuz, mas disseram-lhe que seria melhor apoderar-se de Goa. Assim o fez, as naus de Albuquerque fizeram uma campanha feliz; conquistaram Goa sem um tiro, mas acabaram por retirar perante a investida do célebre Idalcão. Posteriormente, Albuquerque voltou a Goa com todas as suas naus e logrou de vez a primeira e quase definitiva conquista portuguesa em terras asiáticas.

 

Conquistada que estava a posição lusa em Goa, Albuquerque embarcou novamente na “Flor de La Mar”, agora a sua capitania, e fez-se à vela para Malaca com mil homens em 16 naus.

A “Flor de La Mar”, naus ainda vistosa mas carcomida pelo tempo, com 15 navios embandeirados atrás entrou em Malaca ao som de trombetas e juntos salvaram durante meia hora – escreveu Elaine Sanceau. Era a última aventura da célebre nau, cuja história nunca foi escrita antes.

A conquista de Malaca foi mais uma operação terrestre que naval, pelo que o papel da “Flor de La Malaca” foi essencialmente de navio de comando; aparte alguns bombardeamentos, a sua guarnição combateu sempre apeada, indo Albuquerque à frente das suas tropas.

Resolvido que estava o “problema” de Malaca e cumpridas as ordens de D. Manuel I com alguns anos de atraso, Albuquerque apressou-se, em Janeiro de 1512, a partir para Goa, aproveitando os ventos favoráveis da Monção.

Ao fim de nove anos de serviço no mar, a “Flor de La Mar” estava arruinada. A carpintaria estava prestes a desconjuntar-se e sessenta escravos trabalhavam noite e dia nas bombas para manter a nau a flutuar. Castanheda, o cronista da Índia, diz que os marinheiros ter-se-iam recusado a embarcar nela se o próprio Albuquerque não seguisse a bordo. Para além do Governador, a “Flor de La Malaca” levava quase todo o tesouro de Malaca porque era ainda a nau mais espaçosa da armada de Albuquerque em Malaca. Infelizmente, só as naus “Enxombregas” e “Trindade” regressaram com Albuquerque a Goa.

A “Flor de La Mar” podia velejar com bom tempo, mas não estava em condições de navegar no meio da tempestade. Por isso, pouco depois de sair de Malaca lançou ferro frente á costa de Sumatra, enquanto se levantava um forte temporal. “A nau baloiçava doidamente – escreveu Gaspar Correia – puxando as amarras, o que provocou o desprendimento de partes do costado podre. As bombas já de nada serviam; a “Flor de La Mar” afundava-se.

Albuquerque obrigou toda a gente a trabalhar na construção imediata de uma grande jangada. Os inválidos foram metidos no batel do navio, enquanto o governador com uma criança escrava ao colo e outros companheiros recolheram à jangada. Tiveram sorte, pois logo após estarem na jangada e no batel, a “Flor de La Mar” partiu-se ao meio ao bater num rochedo e foi para o fundo com todo o rico tesouro de Malaca. A jangada e o batel derivaram para a costa durante a noite tormentosa e numa pequena enseada ancoraram à espera do alvorecer.

Na manhã seguinte, – escreve ainda o “eterno” cronista Gaspar Correia – Pêro de Albuquerque, capitão da “Trindade”, viu bocados da nau almirante a flutuar e imediatamente se dirigiu para o local do desastre. Fidalgos houve que protestaram; aproar à terra com mar assim era loucura, em vez de um naufrágio seriam dois. Mas de nada servia discutir com Pêro de Alpoim. A “Trindade” lançou ferros logo que viu a jangada baloiçando-se no côncavo das ondas; Pêro de Alpoim mandou de imediato arriar o batel a recolher os náufragos.

Terminaram assim, nove anos de aventuras de uma das mais notáveis naus que a carpintaria portuguesa logrou alguma vez construir e cuja celebridade não terminou naquele distante ano de 1512, pois o seu nome perdura até aos dias de hoje por via dos muitos caçadores de tesouro e arqueólogos submarinos. Diz-se que do seu bojo foi já retirado parte do tesouro, mas ninguém confessa o local certo por não haver certezas e admitir-se que as duas partes da nau se tanham separado muito uma da outra e haja ainda muito mais para descobrir.

 

 

Texto da autoria de Dieter Dellinger publicado na REVISTA DE MARINHA na edição 53 de Abril de 1989.

 



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Segunda-feira, 24 de Dezembro de 2007
Vagas Assassinas

            A barca de 4 mastros de 84m  de comprimento “Admiral Karpfanger” era na altura o orgulho da empresa armadora Hapag, não pelo navio em si, mas pelo facto de ser o primeiro navio-escola da própria empresa que na então renascente marinha mercante alemã deveria treinar instruendos dos cursos de pilotagem e oficial da marinha mercante.

            Para além de navio-escola, o excelente navio servia para carregar trigo da Austrália para a Alemanha. E foi em 1937 que fez a primeira e última viagem para aquele destino. Já na viagem de regresso, quando deveria dobrar o Cabo Horn, a garbosa barca desapareceu sem o mais pequenos sinal rádio e sem que ficasse a mais pequena explicação para a tragédia de que nenhum náufrago se salvou. Tempos depois, apareceu um pedaço de uma porta numa praia do sul do Chile com uma placa que demonstrou a sua pertença ao desditoso veleiro.

 

            Anos depois, em Dezembro de 1978, o navio especial alemão de 37.000 toneladas “Muenchen” desaparece no Atlântico sem deixar qualquer traço e sem o mais pequeno pedido de SOS. E tratava-se de um navio altamente equipado, tanto com rádio na mais diversas frequências e comprimento de onda como com bóias de emergência que emitem automaticamente sinais rádio indicadores da sua posição, chamadas EPIRB (Emergency Position Indicating Radio Position). Em caso de afundamento, estas bóias deveriam soltar-se e passar a emitir um sinal de alarme, mas nada. O navio foi misteriosamente tragado por algo de terrível que ninguém sabia explicar. Foi procurado por mais 100 navios e por aviões que fizeram umas 7.500 horas de voo e nada, absolutamente nada foi encontrado do navio.

            Num como noutro caso, não podia a tragédia ser causada por uma explosão ou rebentamento do casco em duas partes por via de uma tempestade ou por um rombo que o enchesse de águas. Provido de anteparas, tanto o “Admiral Karpfanger” como o “Muenchen” nunca se afundariam repentinamente sem largar algo de seu a sinalizar a tragédia. Mas, na verdade, o “Muenchen” afundou-se mesmo de uma forma fantasmagórica e nada apareceu depois a boiar que pode ser dito ter-lhe pertencido. E da barca-escola apareceu o resto de uma porta e uma bóia muito tempo depois.

            Os marinheiros antigos costumavam falar das vagas assassinas, capazes de engolir de uma só vez um grande navio, levando-o para o fundo como se fosse um brinquedo. Mas, muitos especialistas em oceanografia diziam que se trataria de um mito ou, talvez, de um fenómeno muito raro que se diziam produzir-se uma vez por outra ao sul do continente africano, perto do cabo das Agulhas em que há um entrechoque de correntes e ventos.

            Nos últimos 25 anos, 22 navios mercantes desapareceram sem deixar sinal e em todos os mares e oceanos do planeta; dos mares da China ao Atlântico Norte, passando pelo Pacífico, mas curiosamente nenhum ao sul do continente africano.

            Ninguém acreditou até agora nas “vagas assassinas” que teriam alturas da cava à crista da ordem dos 30 metros, tanto como um prédio de dez andares, e que podem abater-se sobre um navio com uma força de 100 toneladas por metro quadrado, apesar de haver relatos da existência dessas vagas por parte de tripulações de navio que não foram tragados, mas são tão raros e afastados no tempo que não credibilizaram muito o fenómeno. Assim, o gigantesco paquete “Queen Elizabeth” enfrentou em 1943, ao largo da Groenlândia, uma vaga que lhe partiu os vidros das passerelles de cima e amachucou a ponte de comando a 27 metros acima da linha de água. Mas naquela época de guerra, estava-se mais preocupado com os combates que com os fenómenos naturais.

            Só agora, perante a análise das imagens obtidas com o satélite ESA da Agência Espacial Europeia no âmbito do projecto científico “Max Wave” começa-se a perceber que, muito provavelmente, existem tais vagas e que não serão tão frequentes assim, além de nada terem a ver com as tristemente célebres “Tsunamis”. As imagens obtidas pelo satélite pelo retorno das ondas radares não são muito nítidas, principalmente pela muita espuma que se forma na crista das vagas gigantes, mas tudo indica que algumas ondas ultrapassam de longe a altura normal e não com tão pouca frequência como se julgava, pois em três semanas de observação foram detectados sinais de vagas que pareciam ter mais de 25 metros de altura.

            Mas, a primeira verificação concreta de uma “vaga assassina” de trinta metros de altura foi feita curiosamente pelo paquete “Queen Elizabeth”, mas, desta vez, o II, e em 1995. Segundo o capitão Warwick, tratou-se de uma autêntica muralha de água, tão alta como as falésias calcárias de Dover. A segunda foi a que provocou a destruição da plataforma petrolífera “Draupner” colocada no Mar do Norte que no âmbito de uma tempestade com ondas de 12 metros foi subitamente atingida por uma onda de 31 metros de altura que causou importantes estragos.

            Em 1980, o capitão de grande petroleiro “Esso Languedoc” fotografou uma dessas gigantescas “vagas assassinas” que apanhou o seu navio meio pela proa meio de través, ao largo da costa leste da África do Sul. Comparando-a com os mastros do navio, a vaga aparentava ter uns 20 metros de altura, mas como é precedida de uma cava muito funda, onde a vaga vai buscar a água necessário para ser onda, a sua verdadeira altura seria de uns 30 metros.

            Mas, muitos anos antes, precisamente em 1933, o vapor da marinha de guerra norte-americana “Ramapo” quando navegava de San Diego para Manilla foi apanhado por uma tempestade com ventos de 60 nós – força 11 – durante sete dias – que provocavam ondas de 15 metros até que na manhã do dia 7 de Fevereiro encontrou o “monstro” dos mares. Quando a popa do navio de 146 metros de comprimento atingiu a cava da onda, o oficial do quarto na ponte mediu a altura da popa à cava por triangulação e chegou ao resultado espantoso de 34 metros. Foi a maior onda medida até agora, mas considerada pelos cientistas da marinha de guerra americana como um fenómeno tão raro que nem merecia muita atenção.

            Só com o aparecimento das plataformas petrolíferas no Mar do Norte é que se começou a estudar de uma forma mais cuidadosa a ondulação. Uma plataforma registou por medição radar 466 ondas de altura superior a 17,5 metros em doze anos, atestando que o fenómeno não é tão raro assim e a pouca profundidade do mar no local não é factor impeditivo da formação das “vagas assassinas”.

            Efectivamente, a mecânica dos fluidos aplicado às ondas dos mares mostra uma certa semelhança com a mecânica ondulatória e no mar as vagas possuem um certo coeficiente de instabilidade que pode ser tanto maior quanto menor a profundidade e mais irregulares forem os ventos e, principalmente, como observamos nas praias quando a profundidade diminui repentinamente.

            O vento sopra normalmente, mas se por uma daquelas razões, uma das ondas sobe acima da média das precedentes e antecedentes, o impacto do vento torna-se maior e provoca o seu crescimento em altura sem mais água pois a água que terá a mais será fornecida pelo aumento da cava da onda que se lhe segue.

            Mais alta que as restantes, a onda que subiu acima da média recebe mais vento e acelera até subir para cima da onda que lhe está à frente, comendo-a ou empilhando-se, o que provoca uma massa ainda mais alta de mar que recebe mais vento e que vai subir para cima de outra onda à sua frente até atingir o tamanho de uma “vaga assassina”, ou seja, 30 metros aproximadamente, porque não sendo a água compressível, a cava torna-se ao mesmo tempo mais profunda. Cada crista corresponde em altura a uma cava mais profunda.

            Geralmente, estas vagas gigantescas surgem isoladas, mas algumas aparecem aos pares ou três de seguida, as “três irmãs” como os marinheiros antigos as denominavam. E rebentam rapidamente após alguns segundos de actividade, daí a sua aparente raridade.

             Trata-se pois de um fenómeno caótico insusceptível de ser estudado matematicamente pela via das funções lineares, pelo menos na maior parte dos casos, pois há situações como a existente nas proximidades do Cabo das Agulhas no Sul do Continente Africano onde o Índico e o Atlântico se encontram e a corrente rápida das Agulhas choca com os ventos que sopram de oeste e sul do oceano. A corrente é obrigada a reduzir a velocidade e as ondas acabam por se empilharem umas sobre as outras. Na corrente do Golfo como na de Kuro Shio e no Cabo Horn encontramos situações de choque de correntes rápidas com ventos contrários. Mas, o fenómeno tem sido registado em muitas zonas em que essas correntes não existem como no Mar do Norte em que predominam fundos relativamente baixos e não se verificam correntes rápidas. Por outro lado, nos citados locais de interferência corrente-ventos contrários o fenómeno das vagas assassinas é, mesmo assim, raro, não tendo sido citado pelos portugueses que dobraram o cabo das Agulhas durante Séculos. Muito provavelmente, aquelas naus que tiveram a pouca sorte de encontrar uma “vaga assassina” não deixaram ninguém vivo para contar a história.

            Os oceanógrafos actuais dizem que as “vagas assassinas” são mais vulgares do que se supõe; têm é uma duração limitada pelo que a probabilidade de engolirem um navio não é assim tão frequente. Serão pois fenómenos “caóticos” como os que se registam no Universo, tanto a nível das galáxias como das estrelas, e até nas bolsas quando, por acaso, uma venda inopinada de algumas acções pode produzir uma sucessão em cadeia de vendas que conduza a uma quebra brutal da cotação dessa acção ou pode dar-se o fenómeno contrário. Talvez o próprio Universo nasceu de um fenómeno caótico no vazio pré-Big Bang que originou a enorme “vaga” que é o nosso Universo da qual o nosso planeta não passa de um minúsculo salpico.

Os arquitectos e engenheiros navais começam agora a preocuparem-se com a possibilidade de os navios que projectam encontrarem uma “vaga assassina” e daí pretenderem reforçar as escotilhas e tornar os navios relativamente insubmergíveis quando atingidos por ondas gigantes caídas nos convés, desenhando uma proa adequado para o efeito. Fundamentalmente defende-se uma nova construção naval com proas e popas insubmergíveis e insusceptíveis de serem totalmente destruídas por abalroamento. E também os construtores de plataformas petrolíferas que as querem erguidas em pilares de mais de vinte e cinco metros acima do nível do mar.

 

 

 

 

 

Publicado por Dieter Dellinger na Revista de Marinha

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