Foi no porto do Pireu que o egípcio Walid Abdul e o angolano Mané foram contratados pela “Naval Manning” para trabalharem no cargueiro La Rioja de pavilhão maltês. Embarcaram naquele porto da Grécia com o navio carregado de açúcar cubano com destino à Síria. O La Rioja foi até há pouco tempo o Kifandjango de Angola, abandonado durante mais de quatros anos no porto de Antuérpia com a tripulação a viver de esmolas . Depois de ser levado à praça, o navio pertence agora a uma empresa das Bahamas, estando afretado a um armador grego e administrado tecnicamente por um sociedade suíça, enquanto o pessoal obedece a uma empresa de gestão de trabalho com sede no Liechtenstein. A certificação foi feita por uma empresa da Ilha de Malta. O comandante do navio é ucraniano, o segundo oficial polaco, o chefe de máquinas é checo e os assistentes de máquinas são egípcios, havendo na ponte angolanos e tanzanianos, a cozinheira é filipina.
Nesta “Torre de Babel” flutuante todos se entendem num péssimo inglês e os salários são quase miseráveis, o marinheiro encartado Walid aufere apenas 356 dólares mensais, ou seja, 71 contos. Não ganha menos porque este é o salário mínimo mundial para marinheiro encartado que Organização Internacional do Trabalho recomenda. E as horas extraordinárias foram negociadas com o marinheiro em condições vantajosas para o empregador. Walid já estava na lista negra da “Manning” por ter permanecido quatro meses no Atlantic Star em Antuérpia à espera dos salários em atraso. Walid aceitou porque em Antuérpia arranjou trabalho num cargueiro que o levou ao Pireu e aí o largou sem direitos alguns, inclusive com salários em atraso. Felizmente que o jovem egípcio, ao visitar uma das empresas gestoras de tripulações, sediada no Pireu, encontrou logo trabalho no já referido ex-navio angolano. Se o não tivesse conseguido, Walid não pararia de deambular entre navios e escritórios de empresas relacionadas com tripulações. Estaria ali sem direitos, pelo que poderia ser detido pela polícia grega e recambiado para o Egipto.
Na navegação mercante mundial reina a desregulação total com a consequente exploração máxima da mão de obra. Os vínculos dos tripulantes aos navios passam pelas empresas alugadoras de mão de obra e estas contratam o pessoal com a cláusula de despedimento a qualquer altura. O comandante não escolhe a tripulação e é frequentemente posto a trabalhar com pessoas com as quais não pode comunicar em boas condições, pois um inglês execrável só chega para ordens muito simples.
Os tripulantes podem ser largados em qualquer porto sem documentação suficiente para arranjar facilmente trabalho, a não ser noutro navio com iguais condições e trabalho. As máfias mundiais da mão de obra de aluguer controlam cada vez mais todos os movimentos de trabalhadores, tanto no mar como em terra. São essas mafias que trazem ucranianos e moldavos em grande quantidade para Portugal e levam chineses para qualquer ponto do globo, em contentor marítimo ou terrestre.
A lei do lucro não obriga os armadores a fazerem tripular os seus navios por homens frequentemente mal preparados e pagos a salários de miséria como também a reduzir o seu número. Navios razoavelmente importantes são tripulados por 10 a 14 homens, incluindo oficiais, sem disporem de conhecimentos técnicos suficientemente profundos para resolverem algo de inesperado ou darem conta de uma situação mais difícil. Muitos países de bandeiras de conveniência vendem a preços relativamente baratos patentes de piloto ou capitão e depois é confiar na boa vontade do destino. Na melhor das hipóteses são feitos exames sumários na base de questionários de 50 perguntas previamente estudados pelos alunos.
A bandeira de conveniência é principalmente um meio para fugir às disposições legais dos diversos países quanto à mão de obra, nomeadamente convenções salariais e descontos para as seguranças sociais. Mais do que as taxas e impostos que tendem a ser insignificantes por os Estados estarem interessados em possuir uma marinha mercante, facilitando por isso a questão dos impostos que são geralmente pagos e devolvidos a seguir por via de subsídios e apoios diversos. Só no que concerne a salários e segurança social é que pouco se pode fazer nos países democráticos do Ocidente, tal como na segurança dos seus navios. Daí o pavilhão liberiano, panamiano ou maltês como meio de fugir a todas as obrigações justas.
Mas, tudo tem a ver com a liberdade de circulação no mares e de aportar a portos, o que não acontece com a navegação aérea, toda dependente de autorizações de aterragem dadas pelas autoridades nacionais e compensações mútuas de uns para outros países. Daí resulta que um chefe de cabina da TAP, por exemplo, ganhe tanto como o primeiro-ministro e os pilotos duplicam ou triplicam esse mesmo salário para horários de trabalho restritos e rigorosamente cronometrados pelos sindicatos, enquanto que uma cozinheira filipina num cargueiro panamiano pode auferir de 150 a 200 euros mensais para trabalhar mais de doze horas diárias quase sem direito a descanso ou férias anuais.
Talvez tenha chegado a hora para limitar a actual desregulação total nos transportes marítimos e a Europa assumir um controle mais severo sobre navios e tripulantes que demandam as suas costas e portos. Os acidentes tão frequentes afectam o ambiente, apesar de não tanto como dizem os meios de informação, a não ser quando se trate de grandes petroleiros carregados, mas mesmo nesse caso as agitadas tempestades invernais têm um certo efeito de limpeza e quanto aos outros navios, o derrame de gasóleo não é tão pernicioso assim por se evaporar com facilidade e diluir no meio ambiente. Mesmo assim, impõe-se uma política de controle mais severo e segurança dos navios que transportam mercadorias nos mares europeus, apesar de que não deixará de se traduzir em aumentos nos custos dos fretes, logo no preço das mercadorias transportadas. O bom e barato não existe.
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