Aqui o autor - Dieter Dellinger - ex-redator da Revista de Marinha - dedica-se à História Náutica, aos Navios e Marinha e apresenta o seu livro "Um Século de Guerra no Mar"
Quarta-feira, 24 de Junho de 2009
Os Novos Gigantes dos Mares

 

No início de Abril deste ano foi feita a cerimónia de baptismo e entrega do gigantesco porta-contentores MSC Danit da Mediterranean Shipping Company, vulgo MSC, o segundo de uma classe que a empresa pretende que seja de nove unidades. O primeiro é o MSC Daniela, a navegar desde o ano passado. Vários órgãos da imprensa naval e económica mundial deram a notícia que este navio construído nos estaleiros sul-coreanos da Daewo Shippbuilding em Geojae seria o maior navio do Mundo.

            Se é certo que não lhe falta gigantismo, a verdade é que com os seus 365,5 metros de comprimento, 51,2 de largura e 16 de calado, os dois gémeos da MSC não conseguem ainda bater o maior navio a navegar no Mundo, o também porta-contentores Emma Maersk e o seu gémeo Ebba Maersk apesar da diferença não ser muito grande. Os dois gigantes de pavilhão e propriedade dinamarquesa medem 397 x 56 x 15.50 metros. São os maiores navios a navegar, pois ainda há uma unidade maior, o petroleiro Knock Nevis com o comprimento colossal de 458,5 metros e um deslocamento de 564.763 toneladas de arqueação bruta, pormenorizadamente descrito no número de Abril/Maio de 2007 desta revista, mas que já não navega, servindo apenas de depósito de petróleo bruto no Golfo Pérsico.

            Apesar de não ser de todo o maior navio, o MSC Danit é extremamente interessante no que respeito à sua arquitectura tida como única com a ponte de comando e casario branco a meio do navio e a maquinaria na popa com a chaminé e um pequeno casario pintado de amarelo. Isto para dar uma maior visibilidade ao pessoal de pilotagem, obedecendo às novas normas internacionais, e permitir uma melhor estabilidade, além de garantir uma melhor capacidade de empilhamento dos contentores à vante e à ré do casario. Ao todo, o MSC Danit pode transportar 14 mil contentores TEU (equivalentes a vinte pés), mas apenas 10.060 carregados com 14 toneladas de mercadoria, além de 1.000 contentores frigoríficos e transporta mais de cinco mil contentores de 40 pés com o dobro do comprimento dos de 20, mas cada vez mais comum no transporte marítimo mundial. O navio carrega 153.092 toneladas de mercadoria, muito mais do que é manuseado diariamente no Porto de Lisboa e, talvez, em todos os portos portugueses. A sua arqueação bruta é de 165.517 toneladas, portanto próxima mas inferior às 170.000 toneladas do Emma Maersk. Mas, consta que os dois gigantes da MSC transportam mais contentores que os navios da classe Emma Maersk, pois a Maersk tem o hábito de declarar capacidades de empilhamento de contentores superiores às reais no sentido de garantir mais transporte e ter mais “brokers” a trabalhar para conseguir fretes. Contudo, a actual crise económica mundial torna difícil vir a atingir esse nível de carga, pois a MSC teve de elevar o custo dos fretes na rota do Canal de Suez por não poder carregar totalmente os seus navios, nomeadamente o quase gémeo MSC Daniela que navega há

 

mais de um ano. Daí que não seja muito provável que a MSC venha a mandar construir mais sete destes “dinossauros” dos mares como estava previsto.

            Saliente-se aqui que os porta-contentores aqui referidos são os maiores navios a navegar no Mundo porque os petroleiros gigantes de mais de 500.000 toneladas como os quatro da classe Battilus e os dois Esso Atlantic foram já para a sucata por não passarem pelo Suez nem pelo canal do Panamá.

            Tanto o MSC Danit como o Daniela navegam em mar aberto a uma velocidade máxima de 25 nós (46,3 km/h) e 24,1 nós (45 km/h) de cruzeiro com a força do seu motor MAN B&W 12K98MC-C de 12 cilindros e 72.240 cavalos-vapor, o que é notável num navio mercante. Velocidades assim são típicas dos navios de guerra e nem de todos. Mas, trata-se aqui de trazer com rapidez e com fretes baratos todos os produtos chineses e indianos para a Europa de modo a ficarmos todos com mais desemprego e com mais grandes superfícies devidamente abastecidas de mercadoria barata. Na viagem da Europa para a China, estes navios como outros vão transportar contentores cheios de sucata e todo o tipo de lixo para reciclagem, incluindo computadores velhos, automóveis comprimidos em pequenos pacotes de aço, etc. Estão pois a operar no imenso mercado chinês que mesmo em regressão ainda manuseou em Fevereiro 6,97 milhões de contentores, menos 17% que no mês homólogo do ano anterior e menos 22,5% que em Janeiro. Mesmo com a crise, os portos chineses deverão receber e enviar este ano mais de 75 milhões de contentores. Curiosamente, o frete de um contentor da China para Lisboa custa menos que o transporte do mesmo de Lisboa para Faro em camião. Há quem afirme que os fretes marítimos estão já abaixo do custo, o que não será verdade num gigantesco porta-contentores se navegar suficientemente carregado, mas há armadores mais pequenos a falirem em Singapura e na China e na baia de Málaga, nas Filipinas, estão ancorados dez porta-contentores de 4.500 TEUs do armador israelita Zim e 17 outros navios de outras empresas por falta de fretes. Estão aí porque as autoridades filipinas só cobram 91 dólares por dia de ancoragem de um pequeno porta-contentores e 104 por um grande e oferecem um serviço de vigilância e protecção policial sem mais encargos. Assim, garantem a presença de mais marinheiros filipinos nos referidos navios quando voltarem ao mar alto, pois os desempregados filipinos das marinhas mercantes começam a ser um problema preocupante para aquele país.

Mas, contrariando essa situação, a gigantesca MSC alugou por dois anos uma série de novos porta-contentores de 8.400 TEUs alemães a 10 mil dólares por dia. São navios dos dentistas alemães, ou seja, da empresa de capital de risco fiscalmente bonificado “Norddeutsche Vermögensanlage”, onde os riquíssimos dentistas e outros médicos investem para reduzir a carga fiscal, pois o investimento e eventuais percas traduzem-se em deduções fiscais. A MSC tem alugado navios porque enviou para a sucata mais de uma dúzia de porta-contentores menos rentáveis e necessita de tonelagem até ter todos os nove gigantes gémeos do MSC Danit a navegar.

            O MSC Danit arvora o pavilhão panamiano, sendo a MSC uma empresa armadora com sede em Genebra e capitais internacionais com elevada participação dos bancos suíços que opera actualmente 419 porta-contentores com uma capacidade global de carga de 1,46 milhões de TEUs. Por via da MSC e de outras empresas, a Suíça é uma das grandes potências marítimas mercantes, apesar de não ter um porto de mar, mas tem capitais.

            Tanto o MSC Danit como o MSC Daniela navegam com tripulações de apenas 25 pessoas, pelo que são as unidades económicas de maior capital intensivo que operam no Mundo e vão poder atravessar o canal alargado do Panamá, o que não acontecerá com o gigantesco Emma Maersk que continuará a não ser um navio Panamax.

 

 

 

  

O Emma Maersk é o maior navio do Mundo

            Com o seu irmão gémeo Ebba Maersk formam o par dos maiores navios a navegarem no Mundo e por conta do gigantesco armador dinamarquês Maersk. As suas dimensões são impressionantes com os seus 397 metros comprimentos, 56 metros de boca e 15,5 de calado, além dos 30 metros entre o deck e a quilha. A arqueação bruta (DWT) é de 156.907 toneladas e o deslocamento de 170.974 toneladas longas. Destinam-se a transportar 11.000 contentores carregados com uma média de 14 toneladas cada e 1.000 contentores frigoríficos, ou 13.500 a 15.000 numa composição mista de contentores cheios e vazios.

            Navegam a 25,5 nós (47,2 km/h), graças ao seu poderoso motor diesel Wärtsila-Sulzer 14TFLEX96-C que é o maior motor de combustão interna do Mundo com um peso de 2.300 toneladas e uma potência máxima de 109.000 cavalos-vapor (igual a 1.156 automóveis médios), sendo também o único com 14 cilindros. O motor tem a altura de um prédio de cinco andares e, apesar do tamanho, é amigo do ambiente. Os gases quentes do escape são recuperados numa máquina de cogeração que produz electricidade equivalente a 12% da potência do motor. Para o efeito, os referidos gases accionam uma máquina a vapor ligada a um gerador eléctrico. A electricidade serve para alimentar o navio e as máquinas frigoríficas de mil contentores de frio para o transporte de alimentos perecíveis.

            Para além do referido motor gigante, estão na casa das máquinas quatro motores Caterpillar 8M32 de 10.000 cavalos-vapor cada.

            O Emma Maersk consome por tonelada cerca de 120 vezes menos que um avião Jumbo, ou seja, 6.700 litros de combustível por hora. Em termos energéticos o consumo é de 1 KWh/tonelada ao longo de um percurso de 66 km.

            O casco destes navios não leva biocidas para não perturbar a vida dos mares, mas sim uma pintura completa de tinta de silicone que reduz de tal modo o atrito na água que permite economizar 1.200 toneladas de combustível por ano.

            Outro dos aspectos extraordinários deste navio é o facto de ter sido construído em 2006 nos estaleiros da Odense Steel Shipyard, Ltd na Dinamarca pelos operários de estaleiros mais bem pagos do Mundo, mostrando que na Europa, técnicos inteligentes ainda podem construir grandes navios e armadores nacionais operarem-nos com pavilhão e tripulações nacionais. A pequena Dinamarca é, sem dúvida, um país de milagres, atendendo aos seus enormes custos salariais e fiscais.  

            A construção foi feita em quatro secções separadas que ficaram a flutuar, sendo soldadas em plena água. Uma das secções sofreu um incêndio durante os trabalhos de soldagem.

            O navio está certificado para navegar com uma tripulação de 13 pessoas, mas tem acomodações para 30 e, geralmente, leva 22 tripulantes mais uns 4 a 5 pintores e mecânicos asiáticos que vão fazendo reparações e pinturas durante as viagens.

            A viagem típica do Emma Maersk foi também a inaugural. O navio levantou a âncora no dia 8 de Setembro às 02.00 do porto dinamarquês de Aarhus para carregar em Gotenburg (Suécia), Bremerhaven (Alemanha), Rotterdam (Holanda), Algeciras (Espanha) e seguir pelo canal de Suez para chegar a Singapura a 1 de Outubro pelas 20.05. Três semanas de viagem e cinco portos. De Singapura saiu para o porto chinês de Yantian e daí para Kobe, Nagoya e Yokohama no Japão, voltando novamente a Yantian para tocar em Hong Kong, Tanjung Pelepas (Malásia) e seguir pelo Suez para Felixtown, Rotterdam, Bremerhaven, Gotenburg e chegar a Aaarhus a 11 de Novembro pela 16.00. Um mês e vinte dias para carregar e descarregar mais de vinte mil contentores na ida e regresso, o que pode dar uma receita bruta de uns 35 a 40 milhões de dólares. O custo da construção é mantido no segredo, mas num blog dinamarquês, um engenheiro do estaleiro fala em cerca de 150 milhões de dólares, ou seja, o equivalente à receita bruta de 4 a 5 viagens se for carregado. Provavelmente, o resultado operacional paga o navio em 15 viagens. Será? Talvez, se não fosse a crise.  

            Para o Natal de 2006, o navio descarregou cinco mil contentores em Felixtown com objectos natalícios fabricados na China, o suficiente para abastecer quase todo o mercado britânico.

            O Emma Maersk faz parte de uma série de 10 navios a construir para a Maersk, dos quais mais cinco, além do Ebba Maersk, estão já em acabamentos ou montagem final. Isto, naturalmente, se a bolha do gigantismo do transporte naval não rebentar. Curiosamente, todos estes navios foram construídos a pensar num possível alongamento para 450 metros com introdução de novas secções para chegarem uma capacidade de transporte de 15 mil contentores TEU carregados.

           

 

 

 

Publicado por Dieter Dellinger na Revista de Marinha Nr. 950 de Junho/Julho de 2009

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publicado por DD às 21:58
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