Aqui o autor - Dieter Dellinger - ex-redator da Revista de Marinha - dedica-se à História Náutica, aos Navios e Marinha e apresenta o seu livro "Um Século de Guerra no Mar"
Terça-feira, 25 de Outubro de 2011
A Crise Mundial do Shipping

 

  

 

      Há algum tempo atrás fizemos uma descrição detalhada do negócio dos gigantescos porta-contentores, focando em especial os casos de sucesso das grandes empresas Maersk e MSC, referindo apenas ao de leve à crise que começava a afectar alguns armadores.

        Efetivamente, faltou relatar a profunda crise que de repente desabou como uma enxurrada sobre o negócio do transporte marítimo de longo curso e, provavelmente, não só. É certo que há dois tipos de empresas, as como a Maersk, MSC, Hapag-Lloyd, Neddloyd, etc. que possuem navios próprios e alugados e fazem todo o trabalho, incluindo a angariação de carga e outras de navios “charters” com investidores, armadores e gestores sem que estejam necessariamente todas essas actividades reunidas na mesma empresa. Até há pouco tempo, o grupo dos grandes armadores parecia estar a ser poupado, mas em 2009/2010 deixou de ser verdade, o negócio da logística marítima passou a dar prejuízo e a Hapag-Lloyd já pediu um apoio de mil milhões de euros à banca e aos seus acionistas, os grupos TUI e BALIN, devendo 750 milhões. Este armador alemão registou um prejuízo de 225 milhões de euros no primeiro trimestre do ano passado e esteve em vias de entrar em rotura de tesouraria. Este armador de Hamburgo ficou com os seus 128 navios depois de anular os contratos de 30 unidade alugadas. A MSC libertou-se em 2010 de 80 navios alugados. Os mais prejudicados neste aspecto são os alemães, principalmente da cidade-estado de Hamburgo, que possuem 1.644 navios dos 4.619 grandes porta-contentores a navegarem no Mundo, calculando-se que metade desses navios tenham estado parados no primeiro semestre de 2010 e, talvez, só por volta de 2015 é que a actividade marítima possa vir a retomar os números de 2007 ou 2008.         

        O setor mais favorecido com a globalização induzida pela industrialização dos países asiáticos foi, sem dúvida, o do transporte marítimo em contentores. O fim das enormes despesas de estiva e a racionalização obtida com a condição do contentor transportar uma carga de um único fornecedor para um só comprador tornou os fretes ridiculamente baratos e agora ainda mais com o excesso de oferta. As fábricas coreanas e chineses não armazenam, pois produzem diretamente para o contentor de tal modo que o custo do transporte de um televisor da Coreia para a Europa pode ser de apenas dez dólares e para trazer um contentor cheio de garrafas de cerveja chinesas, o frete por garrafa é da ordem de um cêntimo. Chegou-se ao ponto de ser mais barato enviar o tomate de indústria, o chamado pêra, de Portugal e Espanha para a China em contentor frigorífico para ser aí transformado em polpa, enlatado e regressar à origem. Tudo isso fez com que em 2008 fossem transportados nos mares mais de 500 milhões de contentores, portanto, mais do dobro que em 2000.

        A frota mundial de 4.619 grandes navios porta-contentores permite carregar simultaneamente mais de 12 milhões de contentores de vinte pés. A taxa de crescimento anual foi fabulosa e eis que repentinamente registou-se nos primeiros seis meses do ano passado uma quebra global de quase 20% no número de contentores manuseados a nível mundial, registando os armadores prejuízos acumulados da ordem dos 20 mil milhões de dólares. Só em Julho de 2010, as exportações chinesas sofreram uma quebra de 25% relativamente ao mês homólogo do ano anterior e o registo de encomendas está já a menos 50% que em 2008.

        Quase 500 grandes porta-contentores estiveram parados nos mais diversos portos do Mundo no ano passado por falta de fretes ou por dívidas a tripulantes e fornecedores

        Depois disso houve uma recuperação, mas voltou-se ao perigo de outra quebra com a possibilidade de uma grave crise financeira nos EUA e outra em curso na Zona Euro.

        A quebra das exportações chinesas, coreanas e de outros países asiáticos deixou um tal excesso de oferta de transporte que se traduziu numa redução dos preços do “time charter” de um navio de 2.500 contentores de 27.500 dólares diários no primeiro trimestre de 2008 para 5.300 em Julho de 2009.

        O frete de um contentor da Ásia para a Europa custa atualmente menos de 2.000 dólares por contentor TEU (20 pés) com cargas de 10 a 20 toneladas, ou seja, uns dez a cinco cêntimos por kg. Claro, o prejuízo para os armadores chega aos 300 dólares por contentor, podendo ter atingido no fim de ano um nível mundial de 130 mil milhões de dólares negativos. Os preços continuam a descer; assim, entre Fevereiro e Março deste ano, o frete de 1 TEU desceu na viagem de Xangai para Barcelona de 1.988 dólares para 1.927 e para Bremen ou Hamburgo de 2.104 dólares para 2.009 e continua a descer, estando este ano a 1.581 dólares. A chamada crise de falta de capacidade de transporte que atingia as linhas entre a Ásia e a Europa há pouco mais de dois anos transformou-se num excesso de capacidade livre e consequente queda de preços. Contudo, as alianças de carregadores anunciaram aumentos de 300 dólares por TEU para os próximos meses, o que ninguém acredita.

 

A Retoma da Construção Naval é na China

 

        Por isso, muitos armadores a cancelaram encomendas de grandes navios feitas a estaleiros asiáticos com a perda de 40% do respectivo valor pago antecipadamente e as novas encomendas pararam por completa como foram suspensas as obras gigantescas em novos portos e estaleiros na China que pretendia suplantar em simultâneo a Coreia do Sul e o Japão na construção naval. Há navios semi-acabados em estaleiros coreanos que ninguém sabe o que fazer deles: desmantelar ou vender muito abaixo do custo e pedem-se aos governos prémios para o abate de navios mais velhos. Só que a maior parte dos navios de hoje não têm pátria; é tudo de conveniência, desde a bandeira ao capital e os Estados não estão dispostos a pagarem a empresas que não lhes pagaram impostos nem prestações sociais e nunca respeitaram sequer as suas bandeiras. Contudo, a situação começou a recuperar, mas não se sabe o que vai acontecer em breve com a súbita crise financeira que se abateu agora sobre todos os países industrializados e até nos prometedores países emergentes.

        Neste momento, apenas os grandes armadores estatais ou com apoios dos Estados estão em condições de sobreviverem. Os chineses injectam milhões nas suas gigantescas COSCO e China Shipping como Singapura que aumentou o capital da NOL em mil milhões de dólares, enquanto os estaleiros navais chineses constroem a preços cada vez mais baixos e os navios são vendidos em sistema de “leasing” financiado a juro próximo do 0% pelas astronómicas reservas de dólares da China, o que está quase a tornar impossível a construção de navios ou, pelo menos, dos cascos fora da China.   

            O Mundo industrializado entrou na austeridade para tornar os seus produtos competitivos e, com isso, o consumo de centenas de milhões de pessoas sofreu pequenas e grandes reduções, estando a atirar todos os países para a recessão.    A China conheceu uma queda apreciável nas suas exportações em 2009 que recuperaram em 2010 e em 2011 devem crescer a uma média anual de mais 28% em valor, relativamente a 2009, dado que os chineses estão a exportar cada vez mais alta tecnologia e não só computadores, mas também maquinaria e equipamento médico a indicar que uma parte da indústria alemã pode ter os dias contados se o Euro continuar a estar cada vez mais sobrevalorizado.

        Mas, a situação global do transporte marítimo está a regressar ao passado do grande crescimento, talvez devido ao envelhecimento de muitos navios e às possibilidades que o canal do Panamá alargado vai oferecer, se uma nova crise não afectar de novo a indústria e o transporte.

        O armador alemão Peter Döhle encomendou recentemente aos estaleiros chineses Yangzijiang um porta-contentor com capacidade de 10.000 TEU de 20 pés numa operação tripartida em que o “China Development Bank” emprestou mil milhões de dólares a juros baixíssimos.

        Segundo o boletim marítimo “Panamá”, a empresa armadora Seaspan Corporation assinou a 8 de Junho um contrato para a construção de 11 grandes porta-contentores ao mesmo construtor chinês com a opção de encomendar mais 18, igualmente com um crédito chinês de valor gigantesco não revelado.

        Os novos “10.000 TEU” da Seaspan Corporation têm um casco desenhado especialmente para uma velocidade de cruzeiro de 22 nós e redução do consumo em cerca de 20%. A inovação resultou de estudos da engenharia naval chinesa do Grupo Yangzijiang com as empresas MARIC e DNV. A respetiva capacidade de carga aumentou em 10% para a mesma tonelagem e os navios navegam sem lastro.

        Os analistas de mercado apontam para o perigo que representa no futuro a concorrência de grandes navios extremamente baratos e pagos com créditos a juros irrisórios.     A China está cada vez mais a exportar grandes equipamentos e a fabricar alta engenharia e a Europa esquece, por exemplo, que os chineses adquiriram uma vasta experiência no fabrico de comboios de alta velocidade e automóveis, estando também a entrar no fabrico de aviões. A Europa da Zona Euro suicida-se com a sua aberrante política da moeda cara e juros astronómicos nas dívidas soberanas.

 

 

Publicado na Revista de Marinha Nº 963 de Setembro/Outubro de 2011

 

 

 

 


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