Aqui o autor - Dieter Dellinger - ex-redator da Revista de Marinha - dedica-se à História Náutica, aos Navios e Marinha e apresenta o seu livro "Um Século de Guerra no Mar"
Terça-feira, 4 de Outubro de 2005
A Guerra Submarina no Atlântico
Com a morte do almirante von Pohl, comandante da Esquadra Alemã de Alto Mar a 5 de Fevereiro de 1916, a almirante Reinhold von Scheer chegou ao topo da hierarquia naval de operações alemã. Portanto, um defensor acérrimo da guerra submarina. Para Scheer, a função essencial da esquadra alemã era fixar o grosso da "Grand Fleet" às costas britânicas, impedindo a conveniente protecção da navegação mercante, tanto no Atlântico como noutros mares. Logo a 15 de Março, o Imperador aceitou a realização de uma campanha de guerra submarina quase ilimitada durante um dado período. Quebrava-se então a rotina vivida pelos submarinistas alemães durante o Outono e Inverno de 1915-1916, dado ter-lhes sido proibido atacar navios mercantes no Atlântico e no Mar do Norte e os navios de guerra navegavam pouco.



No Canal da Mancha, os pequenos submarino saídos das bases da Flandres nada podiam fazer, já que não lhes era permitido atacar de surpresa e o espaço marítimo não possibilitava o cumprimento dos regulamentos internacionais que mandavam sair a tripulação, examinar a carga e depois afundar o navio mercante inimigo. Antes que isso tivesse sido feito, já teriam aparecido alguns torpedeiros para afundarem o submarino. Também os pesqueiros britânicos não podiam ser atacados pelas mesmas razões. Antes mesmo de os alemães declararem de novo a guerra submarina ilimitada, os ingleses anunciaram que iriam armar os seus navios mercantes, facto reconhecido como legal pela lei internacional, mas que, por sua vez, não deixava de "legalizar" o ataque surpresa por parte dos submarinos.



Os submarinos alemães na I. Guerra Mundial não enfrentavam ainda armas e sistemas de detecção devastadores como se verificou na II. Guerra; mesmo assim, sofreram muitas perdas sem que ficasse alguém para relatar. Num dos casos, a quase perda não se concretizou e ficou-se a conhecer o horror de uma situação relativamente pouco comum, na perspectiva de fora, mas talvez não tanto. Foi ao largo de Belfast em pleno Canal do Norte que separa a Irlanda da Escócia. O U-22 navegava à superfície confiante no denso nevoeiro que se fazia sentir quando subitamente foi visto por um cruzador britânico que imediatamente fez fogo, obrigando o imediato, tenente Hashagen, que estava então de serviço na torre a ordenar a imersão rápida para 50 pés de profundidade. Mas, uma avaria no leme de profundidade levou o pequeno submarino de 650/837t a ultrapassar a marca dos 200 pés (ca. 65 metros) tida como suficiente para esmagar o casco do navio. A pressão fazia ranger chapas e pequenas bolhas de ar penetravam no submarino por toda a parte quando subitamente se sentiu um intenso cheiro a gás sulfídrico amarelo-esverdeado vindo do compartimento das baterias. Toda a gente tossia e sentia o veneno a penetrar nos pulmões. O capitão-tenente Bruno Hope, comandante do U-22, não pensou duas vezes. Antes morrer aos tiros com um navio britânico do que asfixiado pelo gás das baterias no fundo e ordenou a emersão imediata. Os tanques de balastro como que explodiram ao receberem subitamente todo o ar comprimido no interior do submarino que emergiu como uma rolha de cortiça. Por sorte, o nevoeiro continuava espesso e o cruzador britânico apesar de estar a poucas centenas de metros de distância não deu pela presença do submarino que assim se afastou silenciosamente a toda a força dos seus motores eléctricos com as escotilhas bem abertas.



A nova campanha de guerra submarina declarada pelo Kaiser não impediu que os britânicos mantivessem o bloqueio a toda a navegação mercante para a Alemanha, mesmo a que tentasse transitar pela Holanda e Dinamarca neutras, o que provocou a ordem para que também os navios desses países fossem afundados no Canal da Mancha e Mar do Norte.



Desesperada com a falta de certas matérias-primas e alimentos, a Alemanha tentou construir grandes submarinos mercantes. O primeiro dos quais foi o Deutschland de 1.512/1.875t que ainda chegou a fazer uma viagem aos Estados Unidos, saindo de Kiel a 23 de Junho de 1916 com um carregamento de corantes, pedras preciosas e correio para regressar a Bremen três semanas depois com zinco, prata, cobre e níquel. O navio gémeo Bremen não chegou ao seu destino pois embateu numa mina, pelo que regressou à base muito avariado.



Com a entrada da América no conflito o Deutschland passou a ser o cruzador-submarino U-155, enquanto os restantes navios da classe receberam identificações de U-151 a U-157, sendo armados com 2 tubos lança-torpedos e duas peças de 150 mm. Foram os precursores do novo tipo de submarino oceânico de grande raio de acção que ficou conhecido como cruzador-submarino dado o importante armamento de superfície que permitia enfrentar contra-torpedeiros e, mesmo, pequenos cruzadores.




Submarino: Símbolo de Violência



Na I. Guerra Mundial, a acção da arma submarina alemão foi tida como símbolo da violência desnecessária contra civis. A guerra em si mesmo era entre militares nas linhas da frente e os meios para bombardear cidades eram escassos, a aviação ainda incipiente realizou poucos bombardeamentos, tal como o fizeram alguns Zepelins sobre Londres. A artilharia chegava a certas cidades e vilas quando as populações já tinham sido evacuadas.



Por isso, o afundamento de navios civis, nomeadamente de paquetes, foi tido como o mais infame dos crimes e, neste aspecto, alguns submarinistas alemães excederam-se em zelo "assassino", o mais célebre dos quais foi o afundamento do enorme paquete britânico Lusitania, totalmente desnecessário, apesar de transportar algumas munições que ao explodirem aceleraram o seu afundamento. Os EUA consideraram mesmo o afundamento do Lusitania como o principal pretexto da sua entrada no conflito, apesar da distância que vai entre as duas datas. Efectivamente, foi no dia 7 de Maio de 1915 que o comandante do U-20, capitão-tenente Walther Schwieger, viu pelas 2 horas da tarde uma grande navio de passageiros com quatro chaminés rumo ao Canal de S. Jorge que separa a Irlanda da Grã-bretanha depois de passar ao largo da ilhota de Fastnet no extremo sul da costa irlandesa. Aí, apesar dos avisos quanto à presença de submarinos, o comandante do Lusitania, Turner, ordena uma redução de velocidade para 18 nós na intenção de chegar a Liverpool com a maré alta. Walther Schwiegerer ordenou a rápida imersão do seu submarino, preparando-se para o ataque. Pouco poderia fazer para o conseguir, a não ser que o Lusitania fosse ter com ele. Os seus pouco mais de cinco nós em imersão de nada serviriam contra aquilo que era então o mais rápido transatlântico, em conjunto com o seu gémeo Mauritania, ambos os primeiros navios mercantes equipados com turbinas a vapor.



Pelas 2.35, Schwiegerer ao periscópio verificou que o paquete no seu ziguezague colocou-se em posição de ser atingido pelos dois únicos torpedos que lhe restavam da missão que estaria a terminar nas águas britânicas. Preso ao periscópio, o comandante do U-20 foi acompanhando os movimentos do gigante e já pelas 3.10 da tarde deu ordem de fogo. Poucos minutos decorreram até ouvir-se uma violenta explosão seguida de outra, aparentemente interna, como veio a verificar-se pois o submarino não disparou outro torpedo. O capitão Turner deu imediatamente ordens da ponte para parar as máquinas, pois seria perigoso arriar os escaleres com o navio a andar àquela velocidade. Mas, as máquinas não obedeciam à ordem de inverter a rotação dos hélices. Uma nuvem de fogo e vapor de água saía de um local situado entre as duas chaminés da ré, enquanto a própria água que entrava no navio fazia-o parar. Schwieger exclamava com espanto, "mas é o Lusitânia”, que se afundava rapidamente com 1198 vidas humanas, das quais 128 eram cidadãos norte-americanos, o que provocou o mais vivo protesto da parte do governo dos EUA.



Dias antes da partida do Lusitania, a Embaixada da Alemanha tinha feito publicar nos jornais americanos um anúncio a alertar os viajantes para a existência de um estado de guerra entre a Alemanha e a Inglaterra e que as águas que rodeavam as ilhas britânicas eram oficialmente teatro de guerra, pelo que qualquer navio que aí navegue corre o risco de ser destruído.



Mesmo assim, o afundamento do Lusitania foi tipificado como a demonstração cabal da barbárie germânica, repetida em todos os casos em que navios mercantes foram afundados de surpresa.





Da Crise Inglesa de 1917 à Derrota Alemã



Em 1917 tudo aconteceu em termos de guerra; desde a entrada dos EUA na Guerra, a 6 de Abril, à quase vitória alemã após o colapso da Rússia Imperial. Antes disso, quase 4 milhões de aliados franco-britânicos não conseguiam impor a sua vitória a 2,5 milhões de alemães na frente ocidental. A guerra submarina conheceu uma intensificação tal depois da declaração de guerra do presidente Wilson dos EUA que, de cada quatro navios que demandavam ou saíam das ilhas britânicas, um não chegava ao seu destino.



No mês de Abril de 1917, os cerca de 80 submarinos que operavam nos teatros da guerra naval afundaram 834.549t de navios, o recorde absoluto, seguidos de 549.987 toneladas em Maio, 631.895 em Junho e 492.320 no mês seguinte. Depois, a tonelagem afundada não ultrapassou mais o meio milhão, mas o facto de ficar próximo era ainda muito grave para aliados, apesar do reforço proporcionado pela América.



Pouco a pouco, os aliados organizaram comboios, armaram navios mercantes e protegeram-nos com um número imenso de unidades concebidas para o efeito. Os campos de minas em torno da baía alemã, no Canal da Mancha e entre as Ilhas Orcadas e a Noruega foram alargados e intensificados. Este último só foi parcialmente conseguido com o apoio da marinha norte-americana. As redes no Dover estavam ligadas a bóias lança-foguetes que os disparavam sempre que um submarino tentava penetrar através das redes, o que permitia o ataque rápido das patrulhas de contra-torpedeiros. Os alemães respondiam com raids de torpedeiros e "destroyers" que travaram ferozes combates com os similares britânicos, permitindo assim a passagem a muitos submarinos.
Enquanto aumentava a construção aliada de navios mercantes e navios de defesa contra submarinos, também os estaleiros alemães iam lançando ao mar novos submarinos cada vez maiores e mais poderosos. Depois dos U-87 a U-91 de 757t / 998t chegam os U-93 a U-114 e U-160 a U-212 já com 1.000 toneladas de deslocamento máximo, armados com 6 tubos lança torpedos e uma peça de 88 mm na maior parte das unidades.



Antes destes últimos, foi construída a primeira série de cruzadores-submarinos, os U-139, U-140 e U-141 de 1930t / 2483t armados com 6 tubos e dois poderosos canhões de 150 mm, cujo tiro era dirigido por telémetro retractável de 4 metros. Os dois sistemas mistos de motorização diesel/eléctrica de 3950 cavalos accionavam dois hélices a uma velocidade de 15,5 nós à superfície. Para a navegação em imersão, estes submarinos eram propulsionados por dois outros motores eléctricos que davam 1700 C.V., permitindo uma velocidade de 7,54 nós. A sua autonomia era imensa à superfície, pois chegava aos 92500 km a 8 nós de velocidade média. Assim, esta classe de submarinos conseguiu levar a guerra às costas norte-americanas, se bem que o primeiro submarino a fazê-lo foi o U 151 da classe dos submarinos mercantes reconvertidos para cruzadores-submarinos.



O cruzeiro do U-151 foi memorável, já que encontrou a costa norte-americana descansada e devidamente iluminada com uma navegação despreocupada, pois ninguém pensava que os submarinos alemães aí chegassem. O U-151 estabeleceu mesmo campos de minas frente aos portos de Baltimore e Delaware que causaram mais pânico que estragos verdadeiros. No rumo para o Delaware, o U-151 capturou três veleiros que afundou depois de trazer as respectivas tripulações para bordo e capturar alimentos frescos. Mesmo ao largo de Nova Iorque, o U 151 cortou os cabos submarinos que ligam a América à Europa e depois navegou em pleno nevoeiro com as sirenes abertas para evitar colisões. Em 12 horas de operação, o U-151 afundou 14.500 toneladas de navios. Entre outros navios, o U-151 apanhou o cargueiro norueguês que trazia 2.000 toneladas de cobre, parte do qual foi transferido para o U 151, antes de o afundarem com cargas explosivas, deixando a tripulação sair nos escaleres. Pouco depois viram o vapor inglês Dvinsk fortemente armado que foi torpedeado sem aviso prévio.



Quando tentou atacar o antigo paquete alemão Kronprinz Wilhelm, transformado em cruzador auxiliar, o U-151 foi obrigado a mergulhar; foi alvo de um grande número de cargas de profundidade que o deixaram descontrolado. Desceu assim até aos 90 metros de profundidade, o que era considerado como fora dos limites de sobrevivência. Aquele submarino fora só testado para os 50 metros. Com muita sorte, conseguiu injectar o ar comprimido nos tanques de água e vir rapidamente à superfície para observar o mar vazio. O cruzador auxiliar tinha desaparecido no horizonte na convicção de ter afundado um submarino alemão.



Depois deste bem sucedido raid, todos os grandes submarinos alemães passaram a atacar a costa norte-americana, bem como as grandes linhas de navegação entre a Biscaia e os Açores e Madeira e as costas americanas. Passaram quase sempre incólumes pela grande barreira de minas estabelecida pelos aliados entre as Orcadas e a Noruega; com excepção do U-156 que foi afundado por uma dessas minas, pouco depois do cruzador americano San Diego de 13.680t se afundar quando embateu numa mina colocada por aquele submarino ao largo de Nova Iorque.



Os submarinos alemães, grandes ou pequenos, não conseguiram inverter a marcha da guerra. A Alemanha soçobrava frente à força dos aliados e ao aparecimento dos primeiros tanques de combate.






publicado por DD às 00:21
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