Aqui o autor - Dieter Dellinger - ex-redator da Revista de Marinha - dedica-se à História Náutica, aos Navios e Marinha e apresenta o seu livro "Um Século de Guerra no Mar"

Quarta-feira, 13 de Junho de 2007
O Começo da Guerra Submarina

   Ao longo do conflito, o submarino não se mostrou capaz de enfrentar com êxito unidades navais militares, ao contrário do que sucedeu contra os navios mercantes; simplesmente porque à superfície não dispunha em geral mais do que uma peça de calibre reduzido e submergido tanto a sua velocidade como o raio de acção eram diminutos.

 

   Mesmo assim, um pouco por acaso, o submarino alemão U-9 de 493/611 toneladas de deslocamento, comandado por Weddingen, torpedeou três cruzadores-couraçados da já vetusta classe Aboukir, quando estes patrulhavam o canal da Mancha na estreita zona entre a costa holandesa e os campos de minas. Pelas 6.30 de 22 de Setembro de 1914, o Aboukir foi atingido por um torpedo, julgando o respectivo comandante que o navio embatera numa mina.

   No Cressy e no Hogue ninguém viu o submarino, pelo que ambos foram ajudar o Aboukir, postando-se na “boca do lobo”, dando assim azo a que o U-9 pudesse disparar um torpedo contra cada um dos navios que se afundaram imediatamente com perda de 1.500 vidas. Tanto o Aboukir como o Cressy e o Hawk eram navios fortemente couraçados de 11.700 toneladas construídos no início do Século. Armavam duas peças de 233,7 mm e 12 de 152,4 mm.

 

   Foi o maior desastre sofrido pela Royal Navy em trezentos anos de existência, escreveu o historiador norte-americano Robert O. Connell na sua brilhante História da Guerra. Os britânicos recusaram-se a aceitar que tão portentoso desastre tinha sido provocado pelo pequeníssimo submarino U-9 de 493t de deslocamento à superfície e 611t imerso, equipado com 4 tubos lança torpedos e accionados por dois motores Körting a querosene e dois motores eléctricos. Fazia 14 nós à superfície e 8 nós mergulhado, sendo tripulado por 29 homens. Contudo, e ao contrário do que pareceu na altura, não foi a vitória do submarino contra o navio de guerra de superfície. Mesmo antes de existir qualquer defesa contra o submarino, este revelou-se sempre pouco eficaz contra navios rápidos em formação ou mesmo individualmente.

 

   No início do conflito, o submarino era visto com desprezo pelos britânicos, mais como uma mina móvel para a defesa de portos e zonas limitadas da costa, não necessitava de possuir uma grande raio de acção. Mesmo assim, quando a guerra começa, a sua marinha contava com 80 unidades, enquanto os submarinos alemães não passavam de 38. Depois, ao longo do conflito, os britânicos constroem mais 250 unidades e os alemães mais 300 e foram estes que fizeram efectivamente a guerra submarina, apesar de terem começado bem mal para o Império germânico. Logo no início, a primeira flotilha submarina alemã que entrou em guerra zarpou com dez unidades, regressando com oito sem ter infligido o mais pequeno dano ao inimigo. Saíram pelas 3.00 da madrugada do dia 1 de Agosto de 1914, navegando à superfície com a força dos motores Korting a querosene.

 

   O U-9 comandado por Weddingen era um dos navios da flotilha que pouco tempo depois teve de regressar à base por avaria num dos motores. No dia 8 de Agosto, os nove barcos da flotilha estavam já a quatrocentas milhas da base nas águas das ilhas de Orkney sem terem avistado algum alvo militar, decidindo regressar à base.

 

   Pouco depois de iniciado o regresso, o U-13 de 516t embate numa mina e afunda-se. O submarino U-15 ficou para trás para espiar os movimentos de navios ingleses, acabando por, no dia 9, encontrar algumas unidades da marinha britânica, nomeadamente os grandes couraçados Ajax, Monarch e Orion do segundo esquadrão de batalha.

 

   O U-15 mergulhou e tentou um ataque com torpedos, mas falhou. Os alemães então não tinham qualquer prática de guerra submarina. Por sua vez, os vigias ingleses negaram-se terminantemente a terem visto torpedos. Ninguém na marinha britânica acreditava que existissem submarinos capazes de chegarem àquelas águas, enquanto o U-15 tentava teimosamente atacar os vasos de guerra de Sua Majestade Britânica, navegando à superfície e mergulhando de vez em quando. O seu raio de acção era de 2 mil milhas à superfície e 90 mergulhado, variando a sua velocidade entre os 14 nós e os 5 nós. Por isso, o U-15 foi visto pelo cruzador ligeiro Birmingham que avançou rapidamente contra o submarino cortando-o em duas metades, a falta de velocidade do barco alemão não permitiu qualquer evasiva.

 

   O almirantado britânico não queria acreditar no sucesso, mas foram muitas as testemunhas e as avarias na quilha do Birmingham mostraram em doca seca que o U-15 foi cortado e afundado sem que qualquer dos seus 29 tripulantes fosse salvo. Foram as primeiras vítimas de uma longa lista de 13 mil mortos registados pela arma submarina alemã durante a I. Guerra Mundial.

 

   A primeira sortida dos submarinos alemães não foi propícia à arma que também na Alemanha não era vista com bons olhos, apesar de a maior parte das suas unidades terem um excelente raio de acção à superfície e o seu perfil baixo não os tornar muito visíveis. Convém lembrar que o radar ainda não tinha sido inventado.

 

   Na segunda saída de 4 unidades, três sofreram avarias nas máquinas ainda antes de deixarem a Baía alemã, só o U-21 conseguiu chegar às águas da Escócia e observar o patrulhamento de bloqueio britânico a qualquer navio mercante que tentasse regressar à Alemanha. Mesmo sem atingir qualquer alvo militar foi notável o facto de ter navegado 1600 milhas, o que nenhum submarino tinha conseguido ainda fazer sem reabastecimento.

   Na sua segunda saída, o U-21, acompanhado pelo U-20, conseguiu entrar no esconderijo da armada britânica, no Firth of Forth, mas sem chegar ao ancoradouro dos grandes navios de combate. A perseverança do comandante Hersing foi interminável; aportou à ilha Maio para carregar as suas baterias quando avistou o cruzador britânico Pathfinder no horizonte. Imediatamente Hersing suspendeu o funcionamento dos seus motores de combustão interna para mergulhar com os motores eléctricos e tentar atacar a unidade inimiga, mas debalde, a sua diminuta velocidade não permitiu qualquer aproximação, pelo que voltou à superfície para retomar o carregamento das baterias sem esperança de voltar a encontrar qualquer navio inglês.

 

   O tempo estava enevoado como de costume naquelas águas também agitadas, quando de repente Hersing vislumbra quase na frente dos seus tubos lança-torpedos de novo o cruzador Pathfinder. O U-21 mergulhou direitinho e lançou um torpedo que acertou em cheio, fazendo explodir o paiol de munições. Em segundos, o Pathfinder de 2.940t desfez-se arrastando para o fundo os seus 259 infelizes tripulantes.

 

   Foram as primeiras vítimas da guerra submarina. Mas, os britânicos aprenderam rapidamente a lição e dez dias depois, o E-9 da armada inglesa sob o comando de Max Horn consegue entrar na baía alemã e afunda o cruzador ligeiro Hela de 2.049t a seis milhas da ilha fortificada de Helgoland. Depois veio o sucesso do U-9 de Otto Wedinger contra os três cruzadores couraçados britânicos, totalizando 36 mil toneladas de deslocamento afundados em poucos minutos.

 

   O submarino tinha conquistado um lugar importante na estratégia naval; talvez bem mais do que valia efectivamente, já que a arma foi capaz de travar uma guerra importante contra a navegação mercante, mas nunca conseguiu complementar com êxito a acção das grandes esquadras de superfície. Os submarinos alemães nem conseguiram infligir perdas apreciáveis aos muitos cruzadores ligeiros e auxiliares que bloqueavam o acesso da navegação mercante alemã aos seus portos de origem.

 

   Para os alemães, os submarinos passaram a ser a arma fundamental de atrito que deveria enfraquecer de tal modo a marinha britânica para permitir a batalha final e vitoriosa, a tal Trafalgar alemã. Isto em conjunto com as minas, muitas das quais seriam lançadas a partir de submarinos. Para os britânicos, o submarino deveria substituir valiosos navios de superfície na defesa das suas costas e portos contra as grandes unidades de superfície alemãs.

   Aparentemente, o submarino era a arma iconoclasta por excelência porque apesar das suas dimensões ínfimas seria capaz de infligir estragos enormes nas forças adversas. Por isso, era detestada pelos tradicionalistas da arma naval e amado pelos fracos, nomeadamente pelos alemães que não pensaram que ao longo do conflito o poder da Royal Navy seria acrescentado com as forças norte-americanas e francesas, inviabilizando qualquer tentativa de vitória.

   Se o couraçado foi a arma dissuasora por excelência, o submarino significou a capacidade ofensiva a qualquer momento, mas apesar disso limitada, dada a sua inoperância contra forças protegidas por numerosas unidades ligeiras e rápidas do tipo torpedeiros ou contra-torpedeiros. Só depois de os alemães verificarem a natureza da verdadeira inoperância do submarino como força de atrito contra as grandes esquadras é que lançaram os seus submarinos contra os navios mercantes.

 

   Assim, nos primeiros meses do conflito, os submarinos passaram por centenas de navios mercantes sem lhes prestar atenção; procuravam a todo o custo presas militares, mas estas estavam então bem protegidas no fundo dos enormes fiordes escoceses e de Scapa Flow . Enquanto isto, os britânicos tinham já declarado a guerra total à navegação civil alemã ou neutra para portos alemães ou mesmo da Dinamarca e Holanda, de onde as mercadorias poderiam ser encaminhadas por via terrestre para a Alemanha.

 

    Em Novembro de 1914, a Grã-Bretanha declara oficialmente o Mar do Norte como zona de guerra, não permitindo a passagem de qualquer navio para países neutros como a Noruega e outros sem vistoria prévia e só através do Canal da Mancha se transportassem uma variedade e quantidade limitada de abastecimentos tidos como destinados exclusivamente a esses países. Contrariaram assim abertamente a chamada lei internacional definida em 1909 na Declaração de Londres que não permitia a potências beligerantes declarar águas internacionais como zona de guerra e atacar navios neutros e na Declaração de Paris de 1856 que definia as condições em que se processariam bloqueios de costas por forças em guerra. A passagem pela Mancha era extremamente perigosa por causa das minas inglesas, fazendo-se por um corredor muito estreito e sempre acompanhada por navios britânicos.

 

   Os alemães não reagiram de imediato com um bloqueio submarino das ilhas britânicas porque concentraram o grosso da sua limitada força submarina frente a Scapa Flow para atingir a esquadra britânica em caso de saída e no Báltico para neutralizar a armada russa, tendo aí averbado uma vitória com o afundamento do cruzador Pallada de 7750 toneladas. O U-9 de Otto Wedinger continuava a ser o submarino mais activo, quase sempre ao largo da Escócia, avistando esquadrões de cruzadores, mas sempre sem conseguir velocidade para colocar-se em posição de tiro. No seu periscópio, Wedinger limitava-se a ver passar os cruzadores a grande velocidade sem nada fazer. Só em fins de Outubro de 1914, Wedinger viu os cruzadores pesados Endymion e Hawke de 7.350t pararem quase à sua frente para largarem um escaler que deveria fazer uma troca de correspondência ou ordens escritas. A 500 metros do Hawke, Wedinger deu ordem de fogo e um torpedo abriu um rombo a meio do navio inglês que foi para o fundo em oito minutos com mais de 500 homens da guarnição; só 52 sobreviveram. O Endymion fugiu de imediato para não lhe suceder o mesmo que ao Abuquir e companheiros uns meses antes, deixando morrer muitos dos náufragos nas gélidas águas do Mar do Norte. Foi mais uma vitória puramente militar a ajudar a criar o mito inicial da capacidade ofensiva do submarino.

 

   Este sucesso e a presença continuada de submarinos alemães frente a Scapa Flow levou o almirante Jellicoe a tomar a decisão de retirar daí a sua esquadra, a maior do Mundo, e levá-la para as águas mais abrigadas do mar interior da Irlanda do Norte. Aparentemente, no dia 14 de Outubro de 1914, a Great Fleet fugia de um punhado de barquinhos capazes de submergir muito lentamente. O pânico inglês era grande, mas assentava no pressuposto errado de que o submarino podia afundar navios de guerra em quaisquer condições. De resto, os ingleses pouco sabiam das verdadeiras características dos submarinos alemães, nem do seu reduzido número. E não tinha dado pelo insucesso do U-9 de Otto Weddinger quando quis atacar uma flotilha de destrutores britânicos, disparando com o tubo da proa e o da popa quase em simultâneo. Um dosdestrutores viu o U-9 e avançou decididamente contra o submarino que submergia o mais rapidamente possível. Weddinger safou-se por uma polegada, como escreveu no seu diário náutico.

 

   Nessa altura, a Home Fleet deixou de ter portos de abrigo, excepto enseadas escondidas ao longo das costas escocesas e irlandesas do norte. Quase 500 navios estavam como que derrotados por uns minúsculos submarinos que, afinal, não tinha tanto poder assim. Para grande azar dos britânicos, no dia 29 de Outubro, o U-27 comandado por Wegener depara a poucas milhas da costa alemã com o submarino britânico E-3 de 655t. Wegener ordena a submersão imediata e guiado pelo periscópio consegue colocar-se em posição de torpedear o E-3, mostrando que os submarinos até podiam afundar os seus congéneres. Dois dias depois, enquanto o alto-comando alemão discutia se devia ou não atacar navios mercantes em retaliação pela destruição sistemática da marinha civil germânica em todos os mares do Mundo e do bloqueio a que a Alemanha estava submetida, o U-17 resolve afundar o navio mercante britânico Glitra segundo as regras da Lei Internacional em vigor, ordenando a saída de toda a tripulação para os salvadegos e depois de examinar a carga, tida como destinada a fins militares, já que era constituída por chapas de aço, carvão e óleos. O afundamento foi feito por abertura das válvulas de fundo do navio. O comandante do U-17, Feldenkircher, ainda rebocou os escaleres do Glitra até às proximidades da costa norueguesa.

 

   A legalidade desse ataque baseou-se na declaração unilateral por parte da Inglaterra de considerar o Mar do Norte como zona de guerra. Mas, pouco depois, os submarinos alemães passaram a atacar a navegação no Canal da Mancha sem aviso prévio, dado não terem tempo para em espaço tão limitado e tão cheio de torpedeiros e destrutores actuarem no âmbito dos pruridos da lei, além de que a totalidade dos navios ingleses que atravessavam a Mancha transportavam tropas, armas e munições. Foi até bastante tarde que se decidiram a fazer guerra aos transportes militares porque julgaram primeiro que podiam afundar grandes unidades de combate britânicas.

 

   Mesmo assim, a preferência continuava a ir para navios de guerra propriamente ditos, como o transporte de aeroplanos Hermes afundado a 31 de Outubro, a canhoneira Niger torpedeada a 11 de Novembro. Apesar dos perigos a que se expunham, os submarinos alemães na Mancha, ainda tentaram atacar a navegação mercante dentro do espírito da lei. Sucedeu isso com U-21 de Otto Hersing que ordenou a paragem do cargueiro francês Malachite, sem que fosse obedecido; o navio francês fugiu ziguezagueando de modo a não ser atingido pelo canhão de 37 mm do submarino alemão.

 

  A partir desse falhanço, na Mancha, a arma submarina alemão preferiu o ataque imediato de preferência a torpedo, sem ter, contudo, conseguido evitar a navegação aliada na zona, dados os muitos campos de minas aí espalhados. Mas, nestes primeiros meses do grande conflito mundial, a guerra no mar foi mais intensa nos mares longínquos em que as poucas forças alemãs foram obrigada a bater-se até à sua destruição final e completa.



publicado por DD às 20:00
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