Aqui o autor - Dieter Dellinger - ex-redator da Revista de Marinha - dedica-se à História Náutica, aos Navios e Marinha e apresenta o seu livro "Um Século de Guerra no Mar"
Terça-feira, 11 de Outubro de 2005
1936-1939: A GUERRA CIVIL ESPANHOLA NO MAR
Cruzador Libertad 3.bmp



Cruzador LIBERTAD símbolo da Espanha Democrática na guerra contra os sublevados franquistas.




INÍCIO DA GUERRA E RESISTÊNCIA À REVOLTA FASCISTA NA ARMADA




Os contratorpedeiros Lepanto, Almirante Valdez e Sanchez Barcáiztegui da marinha espanhola chegaram pelas 7 da manhã do dia 18 de Julho de 1936 a Melilla, vindos da base de Cartagena na costa levantina. A ordem fora dada pelo ministro da Marinha Giral e a missão era o bombardeamento dos molhes daquele porto espanhol do Norte de África no intuito de evitar o embarque do exército de África, sublevado contra a República desde o dia anterior.



Fernando Bastarreche, o comandante do "Sanchez Barcáiztegui" reuniu a guarnição e falou no "pronunciamento" que estava em curso contra o regime democrático. Leu a proclamação dos generais Mola, o director da revolta, Franco, o técnico da mesma, e Sanjurno, o símbolo. A guarnição ouviu em silêncio profundo que manteve depois de terminada a arenga de Bastarreche. Seguidamente ouviu-se um brado unânime: "Para Cartagena", enquanto cabos e sargentos despacharam-se a dar ordem de prisão aos seus oficiais por levantamento contra o Estado e atentado à Constituição da República Espanhola. Aos dois outros contratorpedeiros foi assinalado o evento, pelo que as guarnições não perderam tempo e encarceraram os principais oficiais, ordenando também o pronto regresso à base naval de Cartagena.



Foram as primeiras reacções a uma longa série de levantamentos que colocou grande parte das unidades navais da Marinha Espanhola ao serviço da República, cujo governo de Frente Popular sob a direcção do líder autonómico galego Casares Quiroga tinha sido empossado cerca de cinco semanas antes. Os membros das guarnições não estavam preparados para enfrentar o problema nem sabiam qual a missão dos contratorpedeiros em Melilla, tendo pensado que saíram de Cartagena em atitude sediciosa pelo que ordenaram o pronto regresso à base. Se tivessem sabido que os navios tinha recebido ordens do Governo para se oporem à travessia do Estreito de Gibraltar pelos "Tércios" legionários, "Tabores" marroquinos e outras unidades do exército profissional espanhol de África, teriam certamente tentado cumprir as ordens do governo, mas estas passaram só dos oficiais rádio para os comandos.



Por isso, a 19 de Julho, os paquetes do estreito Ciudad de Algeciras e Cabo Espartell conseguiram levar para Cádiz e Algeciras algumas tropas, no que foram apoiados pela canhoneira Dato e pelo contratorpedeiro Churruca que embarcou 200 "regulares" mouros em revolta contra o Estado. Depois, também o navio motor Ciudad de Ceuta e o rebocador Benot fizeram passar mais tropas.



O general Franco, entretanto chegado de Las Palmas ao aeródromo base de San Ramiel, em Tetuán, organiza a primeira "ponte aérea" para o transporte de tropas com três trimotores "Fokker" e seis "Savoia". Para isso, ordenou friamente o fuzilamento do seu primo directo, o Major Lapuente, comandante da referida base que se recusou a acatar a declaração de "Estado de Guerra", já que o Código de Disciplina Militar não permite a guerra contra nacionais nem contra o Estado e a ordem jurídica da Pátria.




A ausência da marinha na zona permitiu que numa primeira fase algumas tropas profissionais sublevadas atravessassem o Estreito de Gibraltar, garantindo o sucesso da conquista da Andaluzia Ocidental e Sul e foram as únicas forças com que Mola e Franco puderam efectivamente contar. Assim, Franco organizou para sair a 5 de Agosto um grande comboio de navios que deveria colocar em solo europeu a I "Bandera del Tércio" com a Secção de Transmissões, o III "Tabor de Regulares de Melilla" e o resto do "Tabor de Larache". Também deveriam seguir quatro morteiros pesados, uma bateria de 105 mm com 1200 granadas e muito outro material.



A operação teve de ser suspendida ainda naquele dia, dado que, entretanto, apareceu o contratorpedeiro Lepanto com ar ameaçador, mas foi atacado pela aviação amotinada contra a República, pelo que se refugiou em Gibraltar de onde saiu logo a seguir. Mesmo assim, pelas cinco da tarde, Franco ordena a saída do comboio escoltado pelo Torpedeiro 19 e pela canhoneira "Dato", ambos do lado dos revoltados.



A cinco milhas da Punta Carnero tiveram um encontro desagradável com o contratorpedeiro Alcalá Galiano que abre fogo contra os transportes. A canhoneira Dato responde com energia e precisão, disparando cem projécteis. O comboio chegou ao seu destino, mas muitas mais forças terrestres esperavam em Marrocos a ocasião para atravessarem o estreito e num passeio chegarem rapidamente a Madrid para apoiar as grandes unidades revoltadas como a dos Quartéis de la Montaña e de Carabanchel, em Madrid, cercadas por uma população quase desarmada.



O governo tomou medidas drásticas de alteração dos comandos e de envio das forças navais do norte para o estreito, dado o insucesso de um poderoso contratorpedeiro de 1536/2087 toneladas armado com cinco peças de 120 mm, uma de 76 mm AA e 6 tubos lança-torpedos que é praticamente batido por uma canhoneira de 1335 toneladas armada com quatro peças Vickers de 101,6 mm e que não fazia mais que uns 15 nós comparados com os 36 do contratorpedeiro. Só que o navio republicano estava mal comandado, praticamente sem oficiais.



O ministro Giral, perante a inoperacionalidade dos seus navios, substitui o recém-nomeado chefe da frota, capitão-de-fragata Capedevila, pelo capitão de corveta Palácios que naquele momento se tornou no verdadeiro "almirante" da República espanhola. Este ordena a pronta saída do couraçado Jaime I e do cruzador Libertad com a missão de bombardearem os portos de Algeciras e Cádiz, o que foi feito, além de ter aproveitado a ocasião para afundar a canhoneira Dato que, no entanto, foi posteriormente posta de novo a flutuar. A esquadra republicana tinha chegado em força ao Estreito de Gibraltar, fazendo da então cidade internacional de Tanger a sua base. Os 40 mil homens do Exército de África e os milhares de aguerridos mouros, recrutados a dois "duros" por cabeça, não conseguiram passar facilmente o Estreito. Fizeram-no a conta-gotas com o apoio dos 20 "Junkers JU-52" e 6 caças "Heinkel He-51" enviados à pressa pelo ditador alemão Hitler que já a 28 de Julho oferecera ao seu candidato a correligionário espanhol o "Junkers D-APOK" da Lufthansa, pilotado por Alfred Hanke, que tinha aterrado nas Canárias.



Os 10 primeiros Junkers e os 6 caças chegaram a Cádiz a 26 de Agosto no navio Usaramo da "Woerman Linie" com as tripulações alemãs comandadas por Alexander von Scheele. Dois dias depois, os pilotos alemães já voavam em combate. A 13 de Agosto aportava a Melilla o navio Alicantino com 12 caças "Fiat CR-32" oferecidos por Mussolini e logo a seguir vieram os trimotores de bombardeamento Savoia adquiridos pelo multimilionário e ex-contrabandista de tabacos Juan March.



As ajudas, apesar de terem chegado com uma rapidez extraordinária, não permitiram contudo fazer passar com a necessária celeridade os homens estacionados no Marrocos Espanhol. Assim, a acção relativamente ineficaz da Esquadra Republicana impediu que o Exército de África salvasse as tropas aquarteladas em Madrid e Barcelona submetidas à fúria da população urbana, e de muitos outros locais da Espanha. Mesmo assim, foram passando o Estreito de Gibraltar para conquistarem CádiZ, Huela e Sevilha, mas não a tempo de salvarem as tropas das grandes cidades espanholas.



Não existindo dispositivo militar entre Sevilha e Madrid nas mãos da República, as forças sublevadas poderiam em poucos dias estar às portas de Madrid antes de o Estado conseguir organizar novas forças militares ou enquadrar devidamente as indisciplinadas milícias populares, mais interessadas em instaurarem os seus muitos projectos políticos que em defender a democracia.



No fundo, a esquadra republicana deu tempo às massas populares para derrotarem a sublevação do "Quartel de La Montaña" no centro de Madrid e tirar de lá os 55 mil "fusiles" e "mosquetones" "Mausers" de 7 mm com que foram armadas as milícias que susteram os sublevados no "Paso de Samosiera" e depois em Madrid sob o comando do general Miaja, permitindo a defesa da capital que nunca chegou a ser tomada em combate pelos generais revoltosos.



A esquadra não tinha bases nas proximidades do Estreito, já que os militares apoderaram-se com alguma facilidade de Cádiz, Huelva, Sevilha e outras cidades do Sul, pelo que ancorava em Tanger. Mas, foi expulsa daí pela pressão conjugada da Inglaterra, França, Portugal, Itália e Alemanha. Ao mesmo tempo, os negociadores de Franco assinalaram a Mussolini que estavam na disposição de ceder bases nas Baleares ao Império do Duce a troco de apoio militar, tanto em armas como em tropas, pelo que de imediato o vapor "Morandi" carregou três caças "Fiat Cr-32", três hidros "Macchi 41" e 160 toneladas de diverso material de guerra, além de guarnições e tropas diversas para desembarcarem em Maiorca sob o comando de Bonacorsi.



O cruzador pesado Fiume apareceu também para dar apoio artilheiro e permitir a instalação do quartel-general italo-espanhol das Baleares. Ainda vieram mais bombardeiros "Savoia S-81" que atacaram alguns navios republicanos que pretendiam transportar as forças do capitão Bayo para a defesa do arquipélago espanhol.



Uma poderosa esquadra italiana instalou-se nas Baleares, onde deu cobertura à conquista da base naval republicana de Mahon, rapidamente transformada em base das ainda incipientes forças navais dos revoltosos. Foi inicialmente constituída pelos cruzadores San Giorgio, Quarto, Alberico de Barbiano, Armando Díaz, Duca d'Aosta e Eugenio de Savoia. Acompanhavam-nos os contratorpedeiros Giovani da Varezzano, Alvise da Mosto, Lampo, Aquila, Falco, Ostro, Ardimentoso e outros. Com o apoio aéreo e naval das forças italianas das Baleares foi possível transportar para a Espanha o poderoso exército expedicionário italiano do general Roatta de 120 mil homens, cujas primeiras unidades chegaram a Cádiz em fins de Agosto. Franco não contava muito com o recrutamento normal pelo que nunca decretou uma mobilização geral de todas as classes nas zonas que passou a controlar logo no início do "alzamiento", ao contrário do que fez a República.



No 17 de Julho de 1936, data do levantamento no Marrocos e nos quartéis peninsulares, o grosso da esquadra espanhola estava a norte. Recebeu, por isso, ordens para rumar a sul e foi durante a viagem que se deram alguns acontecimentos sangrentos no couraçado Jaime I. Este navio entrou em Vigo a 19 de Julho para meter carvão quando pela tarde, um oficial do exército entrou a bordo para falar com o comandante Joaquim Garcia del Valle; à saída as últimas palavras foram ouvidas pelos cabos que informaram os colegas de que deveria estar em curso uma revolta contra a República.



Os telegrafistas puseram-se em contacto com a Estação Central de TSF da Ciudad Lineal, em Madrid, passando a saber que o ministro da Marinha apelava às unidades navais para bloquearem o Estreito de Gibraltar.



Maurício de Oliveira, o notável jornalista e fundador da Revista de Marinha, escreveu três livros sobre a Guerra Espanhola no Mar, num dos quais relatou os trágicos acontecimentos ocorridos no couraçado Jaime I quando este navegava ao largo da costa portuguesa. Foram dos poucos livros escritos ainda no decurso do conflito sobre os acontecimentos navais desta guerra, pelo que os seus textos são reproduzidos por quase todos os historiadores do infausto evento. Contudo, não é muito certo que a 18 de Julho existissem já "Comités de Defesa da República" em todos os navios espanhóis, como julgava Maurício de Oliveira. Quanto muito no couraçado Jaime I e nem é verdade que a marinharia estivesse muito politizada. Por outro lado, é verdade que o "director" do "alzamiento", o general Mola, descurou os contactos com a marinha, não tendo preparado um plano para a rebelião dos navios contra a República. Isto porque nos seus projectos, a revolta deveria ter como pontos fulcrais as grandes unidades instaladas em Madrid, Barcelona e nas restantes cidades espanholas. O Exército de África seria um importante elemento entre outros e a marinha tida como desnecessária para a revolta contra o Estado.



O comandante do Jaime I não queria tomar uma atitude precipitada, mas na dúvida os marinheiros atacaram a ponte quando esta estava ocupada por quase toda a oficialidade do navio em revolta contra a Ordem Jurídica e Constitucional da Pátria, tendo-se entrincheirado aí com armas manuais. Foram atacados por marinheiros igualmente armados que acabaram por os vencer e ocupar a ponte com mortos e feridos.



Os oficiais que a bordo declararam o "estado de guerra" foram presos pelas guarnições leais. Foi perto do Cabo Mondego que se consumou a tragédia. Pela rádio, o navio passou a receber ordens directas do presidente do Conselho de Ministros e do ministro da Marinha que a partir do dia 19 de Julho passou a ser a mesma pessoa, Giral, pois Casares Quiroga demitiu-se logo que teve conhecimento da rebelião militar. Giral ordenou que o navio ancorasse ao largo de Tanger, onde se encontrou com os cruzadores Libertad e Cervantes, os quais safaram o couraçado de um ataque por parte de um hidroavião revoltado, já que o velho navio não dispunha de artilharia antiaérea.



No mar, a revolta de muitos oficiais contra o Estado espanhol falhou e nas bases em terra, a decisão dependeu das forças locais do exército. Assim, El Ferrol foi ocupada pelas tropas revoltadas que tomaram os navios em construção e reparação, nomeadamente os grandes e modernos cruzadores Canárias e Baleares quase prontos, bem como o velho couraçado España, irmão do Jaime I, e o cruzador Almirante Cervera, além do contratorpedeiro Velasco.



Em Cartagena ganharam as forças leais ao poder do Estado e aí estavam a maior parte dos contratorpedeiros e submarinos. Na ilha de Fernando Pó, o cruzador Méndez Nunez é abandonado pelos oficiais que temiam sofrer a mesma sorte dos companhiros de arma nas águas peninsulares.



publicado por DD às 00:38
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