Antes de se fazer à pista do Aeroporto de Atenas, o “B-737” descreve uma longa curva, projectando a sua sombra nas águas históricas da baía de Eleusis, junto à Ilha de Salamina e aterra depois de sobrevoar a baixa altitude o não menos histórico porto de Falera. Mas, não foram as trieras atenienses em luta contras as naves persas que contemplei do alto; foi antes a crise do “shipping” com dezenas de petroleiros, graneleiros e navios de carga geral amarrados naquelas águas uns aos outros à espera de melhores dias para navegarem, ou seja, fretes menos ruinosos.
O sobrevoo daquela tão importante área permitiu ver tudo num relance; de Falera ao Estreito de Salamina, imaginando o que se passou naquele glorioso dia quente cheio de sol de 29 de Agosto do ano 480 antes de Cristo.
Xerxes – o autocrático imperador persa – com mais de um quarto de milhão de soldados, um milhão no dizer do exagerado Heródoto, ocupa Atenas e o Pireu, abandonadas pelas respectivas populações, à excepção da Acrópole com a sua heróica guarnição de hóplitas. A sua frota lançou ferros no porto de Falera – a poucas dezenas de “stadions” do Pireu – decidindo-se atacar os navios gregos, abrigados em Eleusis, depois de desinformados sobre os eventuais planos gregos de ataque. Tão seguro estava o autocrata da sua vitória que se instalou no cimo dos rochedos, perto do estreito de Salamina, para observar o espectáculo da sua “vitória naval”.
A frota persa contava mais de mil unidades, mas menos manobráveis e mais lentas que as suas congéneres gregas; eram um misto de navios fenícios e galeras egípcias. Cometeram o erro de penetrar no Estreito de Salamina para se deixar encurralar nas águas limitadas da Baía de Eleusis, a qual tem sido designada erradamente por Baia de Salamina por muitos historiadores. Xerxes esperava conquistar naquela dia “a Terra e a Água” exigida pelos seus embaixadores a todas as cidades gregas. A “Terra” estava praticamente nas suas mãos, depois da derrota dos lacedemónios (ou espartanos) nas Termópilas; faltava a “Água”, ali bem à sua frente, a poucos metros do seu improvisado trono.
O Oráculo de Delfos tinham aconselhado os gregos a baterem-se “atrás de muralhas de madeira”, o que foi interpretado por Temistóteles como alusão à frota de 347 rápidas e bem treinadas trieras de combate atenienses. Assim, ao contrário de uma vitória o arrogante Imperador Persa Xerxes poude com horror contemplar o massacre literal da sua frota. Este estratega deAtenas via no poder naval a única condição para manter livre a cidade de Atenas e outras suas aliadas, pelo que preparou uma excelente armada com alguns anos de antecedência.
As trieras não necessitavam de muito espaço de manobra, curvavam a um raio inferior a um comprimento de navio e tinham desenvolvido uma táctica de ataque quase frente a frente com o seu longo esporão de bronze, abrindo sempre um rombo mortal abaixo da linha de água no casco de navio inimigo, bem junto da proa. Impulsionada pela energia dos seus 170 remadores, as trieras avançavam a dez nós de velocidade, golpeando ruidosamente o inimigo para num ápice inverter o rumo e recuar a uns 4 nós. Em dois ou três minutos o navio inimigo perdia-se com água aberta. Por vezes, umas peças de madeira, denominadas epótidas, colocadas sobre os olhos da proa e uns braços apoiados nos flancos permitiam manobras rápidas para destruir os remos das naves inimigas. Em combate, o mastro principal, bastante baixo, suportava uma longa verga em cujas extremidades se fixavam umas grossas peças de chumbo destinadas a abrir as cabeças de quem tenha tido a audácio de permanecer na ponte ou no convés da embarcação adversa.
Apertados nas águas estreitas da baía e, principalmente do seu pequeno estreito de entrada, os navios persas imobilizavam-se com os remos enfeixados uns nos outros, enquanto recebiam de frente os fortes “encontrões” atenienses. Ao fim do dia, mais de metade da frota persa estava destroçada; Xerxes retirava-se por terra com medo que os hóplitas gregos fossem ao seu alcance. A Grécia estava salva e tinha começado o longo reinado da triera, suporte material do poder ateniense, só abalado pelos trirremes siracusanos, 67 anos depois.
A “OLYMPUS” CORRIGE ERROS HISTÓRICOS
A construção de uma réplica presumivelmente perfeita – a triera “Olympus” – permitiu enfim corrigir uma série de erros históricos quanto à técnica de construção e de navegação e combate destes notáveis navios da antiguidade. O engenheiro construtor naval reformado da marinha britânica John Coates e o professor John Morrison levaram cinco anos a desvendar os segredos do triera – o termo significa em grego muralha de madeira e os atenienses designavam assim as suas trirremes de combates - construindo uma réplica perfeita, pregada com 25 mil pregos de bronze, fabricados manualmente como há 2.500 anos atrás.
A antiga madeira de pinho da Grécia não existe mais, pelo que se utilizou um pinho americano muito semelhante. Muito estudo foi necessário, pois a partir da queda do Império Romano do Ocidente, a técnica das trieras ou trirremes deixou de ser conhecida no Mediterrâneo e as galeras do Rei-Sol francês ainda não tinham atingido o nível da alta tecnologia ateniense. Os dados coligidos pela arqueologia marítima não coincidiam com os modelos oficiais do Século passado. Assim, o modelo construído pelo almirante francês Serre, exposto em Paris, no Museu da Marinha, apresenta numerosos erros de detalhe. A este propósito, a antiga “Enciclopédia pela Imagem” descreve erradamente as trieras gregas. Fundamentalmente, pretendia-se que as trirremes ultrapassavam as 100 toneladas de deslocamento, medindo mais de 40 metros de comprimento para ser impulsionado por 48 remos, servidos por três homens por remo.
Hoje, admite-se como certo que as trieras deslocavam cerca de 22 toneladas e mediam uns 35 a 36 metros de comprimento e uns 5 metros de largura, o que dá uma excelente “coeficiente de finura” de 7,2. Não eram movidas por 48 remos, mas por 170 dispostos em três ordens. Os remadores ocupavam um espaço estreitíssimo em três níveis diferentes, mas não sobrepostos. Os bancos não se moviam como um “shell” de oito. Podiam atingir uma velocidade de combate de 10 nós durante uns cinco minutos ou mais. Para tal teriam de chegar às 40 remadas por minuto. Em cruzeiro prolongado, as trieras faziam uso de pequenas velas e de uma cadência de remada mais lentas para navegarem a 4 a 5 nós.
TUCIDIDES – O HISTORIADOR E A TRIERA GREGA
Por vezes era preciso navegar com mais rapidez. Tucidides – o historiador grego da antiguidade e notável narrador de factos – descreve na sua “História da Guerra do Peloponeso” a proeza heróica de uma triera grega que cobriu a distância de 370 quilómetros em 24 horas para salvar a vida dos habitantes de Mitilene, na Ilha de Lesbos, fazendo uma média de 8 nós. Cléon – o “demagogo” ateniense – tinha ordenado a destruição da cidade rebelde, enviando a ordem por uma triera. Mas, no dia seguinte, a “Ecclessia” – Assembleia Popular Ateniense – revogava a ordem, pelo que se tornou necessário expedir outra triera para dar o dito por não dito. Tornava-se imperioso chegar depressa, antes de consumado tão nefasto acto. Daí o esforço dos remadores que aguentaram 30 remadas por minuto ao longo de intermináveis 24 horas.
Na sua obre Tucidides descreve numerosas batalhas navais travadas pelas trieras ou tirremes. A célebre expedição ateniense à Sicília é descrita por Tucidides com o seu inegável talento para a imagem verbal.
Pretendendo conquistara a Sicília e derrotar a cidade-estado de Siracusa, Atenas enviou uma formação de três esquadras que compreendiam 134 trieras – 60 das quais rápidas ou cruzadores nos termos de Tucidides – e 2 navios de Rodes, além de 30 embarcações de transporte e 100 navios de comércio. Ao todo, as esquadras transportavam 8.280 combatentes, sem contar as ordenanças dos Hoplitas. As equipagens totalizavam 25.460 marinheiros e remadores. “Os estrangeiros e a multidão não desceram ao Pireu para mais que contemplar tão maravilhoso e inacreditável espectáculo. Um vez terminado o embarque das tropas e materiais – continua Tucidides – as trompetas soaram bem alto o “Guardai-vos”. As preces habituais foram recitadas, não isoladamente em cada embarcação, mas das bocas de todos os presentes à voz de um arauto. Oficiais e soldados fizeram libações com copos de ouro e prata. Levantadas as âncoras teve início a longa viagem das naves bem alinhadas; primeiro lentamente e depois lutou-se pela velocidade até Engine para ganhar rapidamente Corcine onde se reuniram com as forças aliadas.
BOAS PARA O COMBATE – MÁS PARA A NAVEGAÇÃO
Além dos 170 já citados remadores, as trieras transportavam 14 Hóplitas – combatentes apeados – e 16 nautas. O comandante era quase sempre um triarca – cidadão rico de Atenas que custeava a triera por um ano. Os remadores eram homens livres – tetas, cidadãos pobres que alugavam os seus serviços a troco de três óbulos diários; os nautas recebiam mais, uma dracma por dia. Se era difícil impulsionar coordenadamente uma triera, ainda mais difícil era a pilotagem. Não existiam lemes, a embarcação era dirigida por dois remos quase verticais ou de esparrela, um na mura de bombordo junto à popa e outra na de estibordo.
As trieras eram navios de combate puro e, relativamente, más de navegação. De resto, naqueles tempos só se bordejava e os gregos suspendiam toda a navegação durante a noite e não havia actividade militar naval nos meses invernais de Novembro a Fevereiro. Geralmente a triera navegava de dia e ancorava à noite junto a uma praia. Serviam para bloquear portos e costas e combater em coordenação com forças terrestres, as quais costumavam erguer paliçadas de madeira para proteger os ancoradouros das trieras. Os seus bordos eram muito baixos, pelo que não aguentavam muito mar. Tinham já uma ponte e um convés central onde combatiam os Hóplitas e os Arqueiros.
O “hipozomata”, um fortíssimo cabo de ferro trefilado, envolvia a nave da proa à popa como reforço indispensável contra o alquebramento do casco.
A DERROTA DAS TRIERAS ATENIENSES
A célebre expedição à Sicília – contada em todas as peripécias por Tucidides – terminou num dos mais trágicos insucessos históricos. Todos os seus tripulantes morreram ou acabaram como escravos depois de aprisionados nas célebres grutas de Siracusa, ponto importante do roteiro turístico dos nossos dias.
“Envolvidos por um poderoso anel de ferro, em terra e no mar, dos siracusanos e seus aliados”- escreve Tucidides – “os atenienses tentaram inutilmente quebrá-lo nas batalhas navais de Plemmyrion e Epipoples”.
Da última e mais fatídica das batalhas navais, Tucidides escreve: “Quando os atenienses chegaram à barragem na impetuosidade do primeiro choque, destroçaram com êxito os navios que guardavam as passagens, tentando abrir caminho. Mas, logo de seguida, os siracusanos precipitaram-se sobre os atenienses vindos de todos os lados; combatia-se junta à barragem dos navios defensores como dentro do porto. A luta foi encarniçada e sem analogia com as batalhas que precederam. Dos dois lados, todas as guarnições estavam plenas de ardor combativo. Os pilotos opunham manobra a manobra. Tantos navios não tinham espaço de manobra; jamais se travou uma batalha naval em tais condições. Não se podia avançar ou recuar nem passar pela linha inimiga. As abordagens pelos flancos eram raras, mas frequentemente os navios feriam-se proa contra proa e quando avançavam atiravam nuvens de frechas e pedregulhos. A confusão era tal que muitos navios ao abrirem um rombo com o seu esporão sofriam a mesma sorte da parte da nave daversa-.
Perplexo o exército de terra assistia ao desastre ateniense, a água ficou juncada de cadáveres e de madeira despedaçada.
Em muitas mais páginas o historiador grego descreve os males dos seus compatriotas. As trieras de Atenas envelhecidas e gastas por mais de um ano de navegação e combates foram derrotadas por navios semelhantes novos e com pessoal fresco que lutavam no seu próprio porto de abrigo aligeirados de toda a carga desnecessária. Nem mantimentos tinham de levar consigo.
Publicado por Dieter Dellinger na REVISTA DE MARINHA – Edição Nº 785 de Novembro de 1988.
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