Aqui o autor - Dieter Dellinger - ex-redator da Revista de Marinha - dedica-se à História Náutica, aos Navios e Marinha e apresenta o seu livro "Um Século de Guerra no Mar"

Terça-feira, 19 de Junho de 2007
A Saga de Von Spee

 

O almirante Cradock, a bordo do Good Hope, ficou surpreendido ao encontrar junto à costa chilena o esquadrão germânico do almirante Von Spee, em vez do pequeno cruzador Leipzig como julgava ter percebido pelo indicativo de um só aparelho Telefunken de TSF ouvido pelo seu oficial rádio.

 

 Os alemães navegavam para o Sul e encontraram-se com os britânicos por altura de 36º 30’ de latitude. Os ingleses rumavam a norte à procura da esquadra alemã do Oriente que tinha atacado Taiti e outras ilhas francesas do Pacífico.

 

Cradock esperava ainda que o couraçado Canopus se juntasse à sua pequena esquadra de dois antigos cruzadores-couraçados, o Good Hope e o Monmouth, o moderno cruzador ligeiro Glasgow e o cruzador auxiliar Otranto. Os britânicos fizeram uma volta para seguirem o esquadrão alemão, constituído pelos cruzadores de batalha Scharnhorst e Gneisenau e pelos cruzadores ligeiros Leipzig, Dresden e Nürnberg, enquanto os alemães começaram por impedir a aproximação rápida dos ingleses.

 

As duas formações viram-se por volta das 16.00, os alemães navegavam mais chegados a terra com o sol contra naquele fim de dia de verão austral, 1 de Novembro de 1914, o que impedia a visualização do adversário em boas condições, Cradock queria aproveitar essa oportunidade e infligir, pelo menos, algumas avarias aos navios alemães que os obrigassem a ter de aportar a algum porto chileno, onde ficariam internados ou perdiam o tempo necessário para que o Canopus chegasse e com a sua poderosa artilharia pusesse os alemães em cheque. O tempo ia passando, enquanto o oficial de artilharia indicava as distâncias ao almirante, respondendo à impaciência de Cradock quanto ao chegar à zona de tiro.

 

 - Não, estamos a 16.500 jardas, dizia-lhe.

 

 Pouco depois anuncia 16.000  jardas (14.500 m), ainda insuficientes. Os cruzadores britânicos podiam aproximar-se a uma velocidade superior à dos alemães, cujas carenas estavam mais do que cheias de limos e crustáceos ao fim de muitos meses de comissão sem ir a uma doca seca, mas o comandante britânico queria ter junto de si o Otranto que não fazia mais do que uns 12 nós. Cradock não queria voltar a ser um novo almirante Milne e, por isso, estava na disposição de travar uma batalha custe o que custar, mesmo sem o aparecimento do Canopus. Von Spee, por seu lado, percebeu bem a sua situação; enquanto tinha o sol pela frente, os seus telémetros e visores de azimute estavam como que encandeados, não deveria travar uma batalha nessas condições, tinha pois deixar o astro-rei desaparecer no horizonte e aproveitar aqueles últimos minutos do dia, em que o esquadrão britânico ainda estava iluminado e os seus navios já quase na obscuridade.

 

Assim aconteceu, entre as 19 e as 20 horas. A partir da primeira dessas horas, Von Spee estava já a 11 mil e 500 metros de distância, o suficiente para as peças de grosso calibre de ambas as formações. Cradock tinha já dado ordem de fogo, quase ao mesmo tempo que os oficiais de artilharia alemães fechavam os circuitos eléctricos das peças. O Gneisenau e o Scharnhorst de 11.500 toneladas, construídos em 1906 e armados com 8 canhões de 210 mm, 6 de 150 e 20 de 88 mm, disparavam salvas de proa à popa, atingindo primeiro o Good Hope de 14.500 toneladas, armado com 2 peças de 233,7 mm, 16 de 152,4 mm e 14 de 12 libras. A primeira salva do Scharnhorst caiu a 500 metros de navio-almirante britânico, a segundo ficou mais perto e a terceira colocou fora de combate a torre da frente com uma das peças de 233,7 mm e danificou algumas de 152,4 mm. Os artilheiros britânicos, todos reservistas convocados um mês antes de eclodir o conflito, não tinham a prática dos profissionais alemães que há muito andavam no mar. Von Spee manda os seus navios aproximarem-se ainda mais dos britânicos, até aos 60 hectómetros (6.000 metros) para permitir o tiro dos canhões rápidos de pequeno calibre. Ao fim de quatro encaixes, o Gneisenau forçou o Manmouth de 9.800 toneladas a abandonar o combate envolto em chamas. As chapas desconjuntadas da blindagem deixam sair as labaredas de fogo. Von Spee ordenava então ao pequeno cruzador Nürnberg para acabar com o Monmouth, enquanto mandava o Gneisenau perseguir o cruzador ligeiro Glasgow de 5.300 toneladas armado com 2 peças de 152 mm e 10 de 102, o navio mais moderno e rápido do esquadrão de Sir Cradock, já que fazia 25 nós.

 

 Efectivamente, foi infrutífera a perseguição, pois nas melhores condições o velho cruzador de batalha alemão fazia 22 nós, mas na altura da batalha não seria capaz de chegar a mais do que uns 16 a 17 nós. Entretanto, o Good Hope que encaixara 37 tiros continuava o combate com a pouca artilharia que ainda disparava, mas de repente explode ruidosamente, o fogo chegara aos paióis de munições e num ápice vai para o fundo com toda a guarnição; nem uma só alma se salvou daquele trágico encontro. O Scharnhorst só apanhou dois tiros que poucos danos lhe causaram.

 

Mais uma vez, e não seria ainda a última, os velhos cruzadores-couraçados britânicos eram fonte de desprestígio e aborrecimento para o Almirantado inglês. Winston Churchill, então o primeiro Lorde do Almirantado, equivalente a ministro da Marinha, manda aparelhar dois modernos cruzadores de batalha, o Inflexible e o Invincible para o Atlântico Sul, a fim de dar caça ao esquadrão de Von Spee. O almirantado britânico tinha escolhido bem, o Invincible e o Inflexible, pois eram dois excelentes cruzadores de batalha da mesma classe com um deslocamento máximo de 20.078 toneladas e cada um armado com 8 peças de 305 mm e 16 de 102. Como blindagem apresentavam chapas de 100-150 mm na cintura, 180-150 mm nas anteparas e 180-50 mm nas barbetas.

Com as suas poderosas turbinas a vapor Parsons faziam 25,5 nós, proporcionados pelos seus 42 mil cavalos de força. Deveriam juntar-se ao couraçado Canopus e ao cruzador Glasgow nas Falkland. Com a sua carga completa de combustível líquido e sólido, conseguiam percorrer 3.100 milhas náuticas a 23 nós, o que era notável no ano em que foram incorporados na marinha britânica, continuando a sê-lo naqueles finais de 1914.



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Segunda-feira, 18 de Junho de 2007
Cruzador Couraçado Good Hope

HMS_Good_Hope.jpg

 

 

O cruzador couraçado Good Hope, navio-chefe da esquadra do almirante Cradock que foi derrotada pela formação alemão do almirante Von Spee. Deslocava 14150t e vinha armado com 2 peças de 231 mm e 16 de 152,4 mm. Tal como o Manmouth e as unidades alemãs, eram navios de guerra antiquados, já só para serviço colonial de manutenção dos impérios coloniais que as potências mantinham em todo o Mundo. Só o Império Britânico ocupava 27% da superfície da Terra.



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Domingo, 17 de Junho de 2007
Vingança nas Falklands

 

 

Os britânicos antes de zarparem de Southampton foram, à pressa, buscar a um hotel de Londres o jovem engenheiro norte-americano Elmer Sperry que tentara vender um pequeno aparelho à marinha britânica que ele dava pelo nome de compasso giroscópio.

Puseram o homem no comboio para Southampton e fizeram-no instalar o aparelho no Invincible, apesar do comandante do navio não acreditar em tal "modernice", mas os recentes trabalhos feitos em ambos os navios tinham desregulado as bússolas magnéticas e não havia tempo para fazer a correcção do desvio das agulhas resultantes da alteração das novas massas de ferro.

 

O Invincible passou airosamente pelo canal da Mancha, demonstrando as potencialidades da primeira bússola giroscópica que acabou por ser adoptada em todos as marinhas do mundo. Ambos os navios levantaram ferro em Devonport a 11 de Novembro e chegaram a Port Stanley, nas Falklands, a 7 de Dezembro. O Invincible com o almirante Sturdee a bordo e o Inflexible encontraram o velho cruzador-couraçado Cornwall de 9.800 ton., igual ao infortunado Monmouth, os cruzadores ligeiros Glasgow, Bristol e Kent, bem como o velho couraçado Canopus com 4 peças de 305 mm que tinha desembarcado a sua artilharia de 12 libras para ser colocada nas colinas sobranceiras ao mar para a defesa costeira de Port Stanley. Quando chegaram, as tripulações dos dois cruzadores de batalha britânicos meteram-se logo na árdua tarefa de abastecer os seus navios de carvão, tarefa bem difícil em porto desprovido de instalações apropriadas para o efeito.

 

O Canopus ficou de vigia, pois esperava-se a qualquer momento um ataque pelo esquadrão germânico. Entretanto, Von Spee não sabia o que fazer. Deveria regressar à Alemanha, fazendo alguma guerra contra a navegação aliada, mas sabia que o preço mais provável a pagar seria a destruição, já que os seus navios não eram suficientemente poderosos para enfrentar cruzadores de batalha ou couraçados modernos ou mesmo antigos. Perdeu quase um mês nas enseadas do sul da costa chilena antes de dobrar o Cabo Horn. Esperava passar pelo Atlântico numa altura em que os ingleses não calculassem que o fizesse, mas cometeu um erro louco, resolveu atacar Port Stanley, precisamente no momento em que estava guarnecido por uma poderosa força britânica.

 

Mesmo assim, se não fossem as salvas do velho Canopus, o Scharnhorst e o Gneisenau apanhavam o Invincible e o Inflexible a meter carvão, portanto, sem poderem responder prontamente ao tiro alemão. Os alemães viram em primeiro lugar uma nuvem de carvão sem perceberem do que se tratava, Von Spee julgara que os britânicos estavam a lançar fogo aos seus depósitos de carvão para evitar que os navios alemães se apropriassem daquele carvão para o seu reabastecimento.

 

 Nas salas de comando faziam-se cálculos; os britânicos largavam as barcaças de carvão, acendiam as caldeiras e preparavam-se para sair ao encontro dos navios alemães. O fogo do Canopus passava por uma pequena península e era dirigido com precisão por vigias postados numa colina próxima. Entretanto, por cima dessa língua de terra, Von Spee vislumbra os mastros trípodes dos cruzadores de batalha, pelo que resolveu rumar para o Sul naquele dia claro do verão antárctico, a 8 de Dezembro de 1914.

 

Os cruzadores ligeiros britânicos saíram primeiro do porto, pelas 8.45, enquanto o Invincible e o Inflexible levaram algum tempo a prepararem-se; só pelas 10 horas é que estavam ao largo, mas acreditavam na sua superior velocidade e admitiam como possível que os navios do esquadrão alemão deveriam ter as tubagens das caldeiras cheias de calcário e muitas já perfuradas. Von Spee levou muito tempo a decidir-se pelo rumo a tomar e a manobra a fazer, pelo que às 11 horas constatou que a sua formação estava à mercê das peças de 305 mm dos dois poderosos cruzadores de batalha britânicos que iniciaram o tiroteio pelas 12.45 a uma distância de 15.000 metros.

 

 Meia hora depois, os britânicos conseguem o seu primeiro impacto e nessa altura Von Spee ordena aos seus cruzadores ligeiros que se afastem do teatro de batalha o mais rapidamente possível, sendo perseguidos pelos cruzadores ligeiros ingleses, o Kent, o Glasgow e o Cornwall. A batalha passou a ser travada em duas secções separadas; o duelo dos cruzadores de batalha e o dos cruzadores ligeiros. As granadas de 305 mm britânicas penetravam facilmente através das blindagens do Gneisenau, causando estragos na parte central do navio, o que obrigou a evacuar o patamar da caldeira Nr. 1, enquanto a Nr. 3 começava também a ser inundado. Aqui e acolá incendiavam-se os madeirames e superstruturas ligeiras. O Scharnhorst não sofria castigo menor, sendo gravemente perfurado à proa e à ré abaixo da linha de flutuação e ardia em muitos locais, mas mantinha o seu valor militar com a artilharia que não tinha sido destruída. Pelas 16.17 vai para o fundo com o almirante Von Spee. O Gneisenau sobreviveu até às 17.50, afundando-se mais lentamente depois de se voltar, pelo que os ingleses ainda recolheram 190 náufragos. Entretanto, o rápido cruzador pesado Kent persegue o Nürnberg e vinga o seu irmão Monmouth, afundando o pequeno cruzador alemão de 3814 ton. de deslocamento armado com 10 peças de 105 mm.

 

 Por sua vez, o Glasgow e o Cornwall perseguem o Leipzig que resiste até às 20.30, não tendo sido possível salvar mais que 18 homens da sua guarnição. Só o cruzador ligeiro Dresden conseguiu escapar-se daquele massacre de homens e navios, mas não por muito tempo.

 

Depois da vitória inglesa, o almirante Sturdee enviou um telegrama ao oficial alemão sobrevivente mais graduado, o capitão-de-fragata Pochhammer, dizendo o seguinte: O comandante-em-chefe felicita-se que a Vossa vida tenha sido poupada e todos nós admiramos a coragem com que o Gneisenau lutou até ao fim. Desejamos exprimir as nossa mais profundas condolências pela perda do Vosso almirante e de tantos oficiais e marinheiros. Infelizmente, os nossos dois países estão em guerra: os oficiais das nossas duas marinhas que têm amigos em cada uma não devem cumprir menos os seus deveres para com os seus países como o fizeram o Vosso almirante, o Vosso comandante e os Vossos oficiais até ao fim.

 

 Sturdee recebeu uma não menos cavalheiresca resposta: Em nome de todos os nossos oficiais e marinheiros sobreviventes, agradeço a V. Exa. as suas palavras tão amáveis. Também nós lamentamos, como vós, o curso desta guerra, pois aprendemos em tempo de paz a conhecer a marinha britânica e os seus oficiais. Estamos agradecidos pelo vosso bom acolhimento.

 

Ambos os textos revelavam a natureza de uma guerra no puro sentido dado por Klausewitz, a continuação da política por outros meios. Política então totalmente desprovida de diferenças ideológicas, rácicas, religiosas ou, mesmo, territoriais.

 

A I. Guerra Mundial foi quase que só pelo "penacho" de alguns dirigentes políticos e, principalmente, casas reinantes, o que não obstou que tivesse custado milhões de vidas jovens e miséria em centenas de milhões de habitantes de grande parte dos países beligerantes. Mas, foi igualmente uma luta entre estados-nações com uma nova noção de nacionalismo que visava a transformação do estado-nação em império.

 

O pequeno cruzador Dresden de 4.450/5.590 ton. de deslocamento armado com 10 canhões de 105 mm conseguiu escapar-se ao tiro dos cruzadores de batalha britânicos com toda a força das suas 4 turbinas de 10.800 cavalos-vapor e dois veios. Fazia 26 nós e era, efectivamente, o único navio da esquadra de Von Spee propulsionado pelas modernas turbinas a vapor. Rumou para o sul e manteve solitário durante três meses uma guerra contra a navegação inimiga de resultados negligenciáveis. A dada altura, os britânicos interceptaram um rádio em que o Dresden combinava um encontro com um navio carvoeiro a 300 milhas a sul de Coronel, na costa chilena. Os cruzadores I e Glasgow tentaram de imediato interceptá-lo, impedindo logo de início o abastecimento. Sem combustível, o Dresden refugia-se na zona costeira denominada "Mas Afuera" onde é atingido pelos canhões mais poderosos dos dois cruzadores britânicos e após um combate de cinco minutos, o Dresden, todo destroçado, iça a bandeira branca da rendição; os britânicos suspendem o fogo, enquanto os alemães rapidamente abrem as válvulas de fundo do navio e escapam-se para terra a nado e nas pequenas jangadas salva-vidas. Ainda vivem no Chile descendentes da guarnição do Dresden.

 

 Três outros pequenos cruzadores alemães navegavam ainda pelos mares do planeta e todos tiveram a mesma sorte trágica, apesar de aventurosa em muitos casos. O Karlsruhe foi dos mais misteriosos, já que durante muito tempo o Almirantado britânico só tinha dele conhecimento através dos muitos navios mercantes destruídos pelo cruzador ligeiro de 4.900 toneladas armado com 12 peças de tiro rápido de 105 mm. Ao todo, o Karlsruhe afundou 76.500 toneladas de navios adversos, acabando por ser destruído num acidente resultante de cordite instável que pegou fogo a um dos paióis de munições ao largo das Barbados quando o cruzador pretendia atacar aquelas ilhas britânicas.



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Os dois Cruzadores Dresden

Cruzador Dresden em combate.jpg

 

Cruzador Dresden na Batalha de Coronel, ao largo do Chile

 

 

 

 

O I. Dresden esventrado pelos tiros britânicos

 

 

 

O II. Cruzador Dresden de 1917 afundado na baía de Scapa Flow depois do internamento da esquadra alemão no fim da II. Guerra Mundial. As águas frias e a excelência do aço mantiveram-no intacto até hoje.



publicado por DD às 16:45
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